As duas últimas décadas

 

          Fiz um levantamento dos temas dos enredos das escolas dos grupos especial e de acesso do Rio nas duas últimas décadas, ainda para ilustrar a questão dos sambas de enredo.
          Classifiquei os enredos sob os seguintes critérios:

  1. Enredos "criados", ou "oníricos" como preferiu a Monique Augras no livro.
    Dentro desta categoria coloquei os enredos abstratos e criados a partir das famosas "viagens" dos carnavalescos;

  2. Folclóricos/Culturais. Esta categoria ficou muito ampla. Coloquei aqui todos os enredos que falam sobre manifestações folclóricas e culturais - carnaval, teatro, cinema, dança, artes, culinária,...;

  3. Históricos: temas que falem sobre a história oficial ou questionada do país;

  4. Homenagens a personalidades ou grupos vivos ou mortos;

  5. Crônicas do dia a dia. Aqui entram os enredos políticos, críticos, mas também aqueles que falam de forma descontraída da realidade do povo brasileiro na atualidade;

  6. Regionais. Enredos sobre lugares: estados, cidades, ruas, praças...;

  7. Negros. Temas ligados à cultura e religiosidade afro-brasileira.

          Definidas as divisões, o quadro ficou assim:
                    Anos 80, Grupo Especial:

 Folclóricos / Culturais 22%
 Criações 19%
 Homenagens 11%
 Crônicas
 Históricos
 Regionais 5%
 Negros 3%

          Os enredos folclóricos/culturais levam pequena vantagem sobre as três outras categorias predominantes (Criações, homenagens e crônicas). Vale ressaltar que as crônicas praticamente não existiam no início da década. A partir de 85 elas ganham muita força com a abertura política e são maioria entre 85 e 90.
          Os temas críticos prevalecem dentro do segmento crônica neste período, com o uso de muita irreverência. Destacam-se Caprichosos e São Clemente, mas outras escolas também passeiam por este caminho, como Beija-Flor, Imperatriz, Unidos da Tijuca e Vila Isabel de forma mais clara.
          No final da década os enredos históricos começam a esboçar uma tendência de questionamento à história oficial, tendência que seria acentuada nos anos 90. Os temas regionais aparecem timidamente.

                    Anos 80, Grupo de Acesso:

 Folclóricos 31%
 Homenagens 21%
 Crônicas 16%
 Criações 14%
 Históricos 8%
 Regionais 4%
 Negros 3%

          Aqui os temas folclóricos ganham mais força. Eles não exigem grandes carnavalescos e duas idéias mirabolantes. A queda das criações para o quarto lugar mostra isso. No resto a análise é bem parecida com a do grupo principal.

                    Anos 90, Grupo Especial:

 Criações 25%
 Folclóricos 20%
 Homenagens 16%
 Históricos 13%
 Regionais 11%
 Crônicas 10%
 Negros 3%

          Há o crescimento de duas categorias. A das criações sobem 6% com maior poder aos carnavalescos no início da década. Os temas regionais sobem também 6%, mas do meio para o final da década alavancados pelas possibilidades de patrocínio dos governos. As homenagens, muitas também patrocinadas, praticamente se mantêm no mesmo patamar.
          Há uma ligeira queda nos enredos folclóricos (2 pontos percentuais) e uma derrubada nos temas do dia a dia, que caem quase que pela metade. Além disso, os que restam ganham uma conotação menos crítica.
          Os enredos históricos buscam questionar a história oficial ou então procuram fatos ocultados pelos livros mais tradicionais. E com isso ganham fôlego para subir um pouco.
          Os temas negros, mantêm seu espaço pequeno, mas ao que parece, garantido.

                    Anos 90, Grupo de Acesso:

 Folclóricos 25%
 Homenagens 21%
 Criações 16%
 Crônicas 13%
 Históricos 9%
 Regionais 8%
 Negros 6%

          Os temas folclóricos/culturais mantêm a liderança, mas despencam 6%. Quem aproveita este percentual são os enredos regionais patrocinados (+4%) e negros, mais baratos (+ 2%).
          No resto há apenas uma mudança significativa: a inversão das crônicas, que perdem o terceiro lugar para as criações dos carnavalescos, mas ainda aparecem à frente dos temas históricos (aqui menos questionadores) e regionais.
          Diante destas informações, que conclusões podemos tirar da evolução dos temas das escolas de samba?
          A resposta fica com vocês.

 

Eugênio Leal
(Eugênio é jornalista, ritimista e compositor)

 

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