Francisco Alves

 

          Era o mais famoso cantor popular de seu tempo, época de grandes vozes – Orlando Silva, Silvio Caldas, Carlos Galhardo e já Nelson Gonçalves. Eu tinha 16 anos e era ouvinte intenso de rádio. Naquela tarde, não estudei e fui para a Cinelândia de onde saiu o enterro. Tomei um susto. Jamais havia presenciado tanta gente nas ruas, nem igual comoção popular: um mar de gente a chorar. Impressionante e inesquecível.
          Mal sabia que, quatro anos depois, maior comoção ainda haveria de presenciar e acompanhar, emocionado: o suicídio do presidente Getúlio Vargas!
          Há quatro anos, deu-se o centenário de Chico Alves. As lembranças foram muito poucas na mídia eletrônica e na imprensa. É a velha história do País sem memória. Desta vez, pelo menos, haverá amanhã, no Clube Ginástico, uma palestra ilustrada com canções, feita por Osmar Frazão, que há anos está a escrever uma biografia do Rei da Voz. É de graça a entrada e a palestra-show será ali pelas seis da tarde. Vale conferir.
          Francisco Alves é um fenômeno parecido ao de Carlos Gardel na Argentina. São da mesma época, ambos filhos de imigrantes muito pobres, e expressivos de um modo de ser e de cantar de seus respectivos povos. Ambos morreram cedo e de acidente. Só que Gardel ficou como uma legenda e Chico Alves hoje só vive na memória de quem conheceu o seu canto ou de quem entende de música popular brasileira dos anos 20, 30 e 40.
          Tenor dos melhores ao início de sua carreira no teatro musicado, voz cristalina e bela, Chico foi notável. Sua voz alterou-se um pouco nos anos 40, perdeu algo do cristal inicial, mas permaneceu boa, com longínquos acentos do canto operístico adaptados ao samba.
          Foi homem empolgado por paixões mundanas: turfe, jogos, cabarés, namoros, automóveis. Homem de amigos ou inimigos, criticado por comprar sambas e associar-se a parcerias das quais não participou – o que, para outros, foi a forma de ajudar desconhecidos compositores, como Ismael Silva, a quem ajudou nas suas pindaíbas comprando-lhes os sambas.
          Como cantor, são e serão imortais as suas interpretações dos anos 30 e 40, como Na Virada da Montanha, Serra da Boa Esperança, Despedida de Mangueira, Confete, Vidas Mal Traçadas, Aquarela do Brasil, Só Nos Dois no Salão, Dona da Minha Vontade, Favela, e tantas outras. Hoje, são honrosos troféus de nosso patrimônio musical popular.
          O mais é lembrar Chico Alves com emoção e dizer-lhes que, se querem saber mais sobre ele, procurem o excelente livro As Mil Canções do Rei da Voz, de Abel Cardoso Júnior, encontrado na Revivendo Discos (revivendo@sul.com.br).

 

Arthur da Távola
(Publicado no Jornal O Dia em 28 de setembro de 2002)

 

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