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Desde
Cartola e Carlos Cachaça, a Estação Primeira conta com os mais iluminados
cultores do ritmo...para o primeiro compositor as cores da escola
seriam verde, vermelha e branco.
O melhor samba carioca pode ter nascido no Estácio, mas foi na Mangueira,
ao longo das sete décadas que se completam agora, que este mesmo samba
teve os seus mais iluminados cultores. Se é de se lamentar que três dos
quatro compositores do desfile deste ano sejam forasteiros - e que muito
por isso o que a escola cantou não esteja à altura da tradição do lugar
- vale um milhão de vivas saber que foi homenageando, não um compositor
de lá, mas um grande artista de toda a cidade, que a Estação Primeira
fez as pazes com a vitória após um silêncio de 11 anos.
Entre os bambas, Antonico, Padeirinho e Nélson Sargento.
A Mangueira é mesmo, como costumava dizer Saturnino, pai de Dona Neuma
e um dos fundadores da escola, um "reduto de bambas". O simples
fato de ter entre os que assinaram a ata de fundação um compositor da
estatura de Cartola já seria o bastante para que se antevisse que o samba,
o bom samba, seria sempre a sua razão de ser. Cartola, Carlos Cachaça,
Zé Com Fome, Zé Criança, Turituré, Antonico, Balança, Aloísio Violão,
Heitor dos Prazeres, Gradim (que não era bem da Mangueira, mas um cigano
que fazia ponto no
Buraco Quente) e mais adiante Nélson Cavaquinho, Cícero, Padeirinho, Fernando
Pimenta, Nélson Sargento e outros, todos cultores de um samba que, nascido
no Estácio, tingiu-se de verde e rosa.
A história dessas cores é mais ou menos conhecida. Foi Cartola quem, torcedor
do Fluminense, propôs para a escola o verde, vermelho e branco de seu
clube. Ficaram as duas primeiras cores, só que, na hora de comprar pano
para as primeiras fantasias, o vermelho saiu desbotado. Segundo alguns,
porque o rosa era mais barato. Terá sido mesmo assim?
Há na Mangueira uma infinidade de histórias como esta, difíceis de comprovar
num tempo em que, daquele distante 1928, só resta Carlos Cachaça, que
nunca teve uma memória como a de Fernando Pimenta. Mas, pode-se constatar,
pela história que nos ficou, que o bom samba sempre foi uma espécie
de religião para a Mangueira. Mesmo quando, na briga para a escolha do
que vai representar a escola, volta e meia leve a melhor um quase boi-com-abóbora
como o deste ano. Pois é simplesmente por amor ao bom samba que a Mangueira
resiste como a escola do povo (ainda há modernosos que a censuram por
usar o surdo tradicional e nenhuma firula que comprometa a pureza de sua
bateria).
Mas o reencontro da Estação Primeira com a vitória aconteceu de modo simbolicamente
admirável. Outros compositores já foram homenageados por ela em desfiles
anteriores: João de Barro, Caymmi, Caetano, Gil, Tom Jobim. Todos do asfalto.
Mas nenhum, cá de baixo, teve ou tem pelo melhor samba carioca o apreço
de Chico Buarque. Quando Chico diz que uma de suas principais influências
foi Ismael Silva, bamba do Estácio, não faz mais do que estabelecer uma
ligação com aquele samba. O sotaque pode ser outro. As sutilezas rítmicas
e harmônicas podem guardar pouca semelhança com as do morro (aliás, como
o melhor de Cartola, tão mais Rio que Mangueira). Mas vale mesmo um milhão
de vivas saber que a escola dos sambistas iluminados venceu homenageando
um deles.
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