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O carnaval
de 1962 começou a ser preparado muito cedo. Praticamente logo depois da
vitória de 1961. Darke e eu não paramos. Eu havia lido Casa Grande &
Senzala, de Gilberto Freyre e, muito mais que um livro, ficara com o título
na minha cabeça. Não queria transformar o livro em enredo, preferia uma
versão livre.
Adaptei, então, o livro para uma história que contasse ao mesmo tempo
a vida das senzalas, o trabalho do negro, sua influência na formação da
cultura brasileira, mas também falasse dos colonizadores, dos fazendeiros,
seu fausto, suas festas e também suas danças e sua participação nesse
amálgama que acabou por criar os elementos culturais brasileiros.
Nisso muito nos ajudou o saudoso professor Édson Carneiro, esse noso Casa
Grande & Senzala jamais teria saído como saiu.
Quando consideramos o enredo pronto, acabado, o Edison Carneiro me disse:
- Olha Roberto, acho que vocês fizeram o melhor enredo que já vi em escola
de samba. Está perfeito. Acho que o Gilberto Freyre não faria um Casa
Grande & Senzala melhor. Mas não diga a ninguém que eu ajudei.
O professor Edison Carneiro tinha muitos amigos e admiradores em todas
as escolas de samba e frequentemente era jurado de enredo e letra de samba
enredo. Não queria se comprometer e tinha razão.
Pronta a história Casa Grande & Senzala, partimos para completar o
enredo. Figurinos, alegorias, samba, tudo. Desde o começo, despontou o
de Zagaia, Lelú e Comprido, que se tornaria um dos melhores sambas-enredos
de todos os tempos.
Darke, com minha
assessoria na escolha, caprichou nos figurinos. Fazíamos
questão de ter um carnaval perfeito. Afinal, buscávamos um tri-campeonato
e, mais que isso, queríamos com Casa Grande & Senzala, fazer um enredo,
um desfile, que ficasse para sempre na história. E conseguimos. Não o
tri. Mas o registro na história.
A escola não tinha falhas. Havíamos tomado especial cuidado com as baianas.
Foi aquele ano que eu dissera a Neuma que não queria uma luz acessa
no morro quando a Mangueira descesse.Eram mais de 200 baianas.
No desfile, foi um espetáculo de rara beleza ver aquelas senhoras, mangueirenses
de raiz, desfilando e rodando na sua típica cadência, dentro da escola.
Não havia detalhe sequer que não houvesse sido cuidado com esmero e carinho.
As alegorias eram muito bonitas para a época.
No dia desfile, toda a Mangueira estava
empolgadíssima e a escola estava
linda ! Dizem que jamais a Estação Primeira desfilara com tanta gente.
Todo mundo diz que a Mangueira, em 1962, fez um desfile honrs coucurs.
Quando a Mangueira começou a desfilar pela Avenida Rio Branco, sentíamos
o altíssimo astral da escola. Todos pareciam absolutamente convencidos
da vitória. As alas evoluíam com facilidade, empolgação, em movimentos
bonitos e perfeitos.
Todo mundo cantava com entusiasmo o belo samba de Zagaia,
Leléu e Comprido.
Fantasias, alegorias, adereços, harmonia, canto e dança, comissão de frente,
mestre-sala e porta-bandeira, baianas, evolução das alas, passistas, crianças,
estava tudo perfeito, formando um conjunto espetacular. E as arquibancadas
( baixinhas então ) e o povo que se apertava nas calçadas reagiam com
grande entusiasmo. A Mangueira era aplaudida em delírio.
A Estação Primeira de Mangueira fazia, na opinião de seus mais antigos
componentes - e até os críticos internos e externos -, o melhor desfile
de sua história. Sentia-se no povo uma vibração intensa, que passava para
a escola e ainda animava e empolgava mais os componentes, que cada vez
mais cantavam mais e melhor.
A imprensa, nos primeiros comentários e reportagens após o carnaval, era
unânime: a Estação Primeira de Mangueira era a grande favorita do carnaval
de 1962.
O Salgueiro viera muito bem...mas todos diziam que "ninguém tira
o carnaval da Mangueira".
Entre o povo a opinião era a mesma. Os gritos de "é campeã!"
saudavam o fim do desfile. Os mangueirenses vibravam. Confiavam na vitória.
Fizemos por minha conta própria, uma pesquisa popular: saímos eu, Licinho,
Raimundo, Manoel Luciano, Timbira, Tantinho e muitos outros perguntando
entre as pessoas das ruas quem era a campeã: a resposta era unânime: "Mangueira".
Quando saiu o resultado a decepção foi monstruosa, fomos parar em
4° lugar,
por culpa de uma só jurada - a artista plástica Ana Letycia - que deu-nos
notas baixas nos três quesitos que julgava - fantasias (estavam
lindíssimas), bandeira (igual a todas, pois era o mesmo artesão que
confeccionava para todo mundo), e Comissão de Frente (que estava impecável,
com casacas negras tradicionais), sob a justificativa, inaceitável,
de que "não gostava de verde-e-rosa". COMO SE PUDÉSSEMOS OU
QUISÉSSEMOS - PARA AGRADAR QUEM QUER QUE SEJA, MUDAR NOSSAS CORES.
Neste ano, a Mangueira foi vergonhosamente roubada, e a campeã foi a
Portela. Foi
um verdadeiro desafio, uma verdadeira afronta à unanimidade que nos davam
como certos e justos e insofismáveis campeões.
UMA VERGONHA !
Quarenta anos depois ainda existem Anas Letycias, que cometem
o atentado de não reconhecer que as cores da Mangueira são únicas,
próprias, características fundamentais a ela e ao samba. O que seria do
samba sem o verde-e-rosa da Manga ? O que seria a Manga sem o verde-e-rosa
? Gosto do verde, gritando pelo rosa, se encontrando, se harmonizando
numa coisa que só a MANGUEIRA OUSA E PODE FAZER. E o samba fala mais alto,
quando o VERDE-E-ROSA PISA NA AVENIDA.......... Aliás samba, por samba,
este na alma é verde-e-rosa, para sempre....
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