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"É
que o samba é Aquarela Brasileira, mas não cita a Região Sul do país,
a não ser que tenha algo muito implícito e mesmo assim não seria específico
à região.
Como são
5 regiões, o samba teria omitido 20% do enredo. Só a título de comparação,
sambas como Viradouro 96 e Gaviões 2003 falaram de todas as regiões.
Mesmo não citando o sul, o samba é uma das obras mais lindas do carnaval.
Entretanto, será que os jurados nos dias de hoje poupariam essa falha?"
Daniel
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Vamos
tentar fazer justiça ao Silas de Oliveira.
Às
vezes vejo algumas mensagens, essa não foi a primeira, que parecem afirmar
ter sido um grande equívoco do Silas de Oliveira não ter citado a região
sul. Confesso que, a princípio, também tinha essa impressão. Entretanto,
agora, refletindo sobre a obra de Silas, acho que é fundamental
relativizarmos alguns pontos para entendermos a proposta do autor.
O samba
é quase sempre interpretado como uma tentativa de mostrar as regiões do
Brasil através da citação de alguns estados. Dessa forma, ao falar da
Bahia e de Pernambuco, por exemplo, Silas estaria citando o nordeste.
Ao mencionar Brasília, o centro-oeste. É por aí que se percebe o
suposto erro de Silas, pois nenhum estado da região sul foi citado.
Entretanto,
no ano de 1964, as regiões do país estavam divididas da seguinte forma:
Norte: Acre, Amazonas, Rondônia, Pará, Amapá e Roraima
Centro-oeste: Mato Grosso e Goiás
Nordeste: Maranhão, Piauí, Ceará, R.G. do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas
Sudeste: Rio de Janeiro, Guanabara, Espírito Santo, Minas Gerais, BAHIA
E SERGIPE
Sul: RG do Sul, Santa Catarina, Paraná e SÃO PAULO
Então, partindo do princípio de que essa interpretação do samba está correta,
Silas de Oliveira citou sim estados de todas as regiões do Brasil, simplesmente
não poderia adivinhar que essa divisão política das regiões seria revista
anos mais tarde. Ele não cita RG do Sul, Santa Catarina e Paraná,
que hoje formam sozinhos uma região, mas também não cita Roraima, Rondônia,
Acre, Maranhão, Sergipe, Minas Gerais e muitos outros.
Entretanto, é importante nos perguntarmos se, mesmo citando estados de todas
as regiões de sua época, teria sido realmente essa a intenção de Silas.
Será que ele tinha em mente fazer uma viagem pela divisão política das regiões
do Brasil? Ou essa divisão política não está, na verdade, em nossa forma
de interpretar o samba, por se constituir em uma forma de classificação
que usamos naturalmente para pensar uma viagem pelo Brasil?
Por que uma descrição do Brasil precisa obrigatoriamente se referir as suas
regiões políticas? Na Viradouro, a divisão política estava claro, bem como
na Gaviões do Jorge Freitas, mas porque o Império Serrano em 2004 precisa
se ater a essa divisão?
Na letra de seu samba, não vejo nada que indique a intenção de se referir
a divisão política do Brasil. Vejo um samba que se preocupa em mostrar as
belezas naturais e culturais do país, através da citação das particularidades
de vários estados. O que percebo, é que Silas está querendo mostrar que
as riquezas naturais e culturais estão presentes em todas as partes do Brasil,
e usa para isso PONTOS CARDEAIS, E NÃO A DIVISÃO POLÍTICA OFICIAL. Centro-oeste
é uma região ? Tá, mas o Brasil nunca teve uma região chamada Leste.....
Em suma, acho que a obra de Silas é antes de tudo uma descrição do Brasil,
e não uma descrição através das regiões do país, muito menos uma descrição
dessas regiões. Essas três coisas são diferentes.
Vale citar mais duas coisas que podem reforçar essa forma de interpretar
a obra de Silas
A primeira é que, Segundo depoimento de José Carlos Rego, na letra
original do samba Silas não teria incluído São Paulo. O estado foi incluído
depois porque ele ( José Carlos) teria notado um erro na letra original,
e mostrado para Silas a importância de São Paulo. Isso talvez ajude a mostrar
que Silas, mesmo citando todos os estados da divisão política de sua época,
não teria tido essa intenção.
A segunda é ainda mais clara: onde estão as regiões do Brasil na "Aquarela
do Brasil" do Ari Barroso? O que temos é uma descrição das particularidades
do país. É lícito imaginarmos que a aquarela de Silas, assim como a de Ari,
seja na verdade uma exaltação do Brasil por sua cultura e riquezas naturais,
que estão presentes nos mais variados recantos.
Sobre a obra do Ari Barroso, para complementar, ela foi escrita em 1939,
em pleno Estado Novo. A letra está completamente de acordo com a ideologia
homogeneizante do período, descrevendo o Brasil como unidade. Não faria
sentido pensar um país dividido por regiões, pois a totalidade é que era
exaltada. Sabemos que essa ideologia que destacava a unidade em detrimento
das divisões regionais se expandiu através dos anos. É lícito nos indagarmos
se, além de uma influência direta da obra do Ari sobre Silas, essa idéia
de Brasil como unidade também não fosse predominante em 1964, de forma que,
diferente de hoje, essa divisão do país por regiões fosse irrelevante e
secundária numa descrição.
Em outras palavras, estamos analisando uma obra feita em 1964 fora de seu
contexto ideológico. Estamos interpretando-a com nossas categorias hoje
relevantes, mas que, na época de Silas, era simplesmente secundária.
O Império não tem necessidade de fazer uma viagem pelas divisões políticas
do país, pois elas não passam de simples formas de classificação. Se optar
por fazer, os jurados devem ter sensibilidade para interpretar as particularidades
da obra de Silas, tentando entender seu real contexto. Essa é uma das questões
para se analisar os "remakes".
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