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Juro
que tentei ir dormir, mas esse texto me deixou tão perturbado que
cá estou eu, uma e meia da manhã religando o computador para rebatê-lo.
Abençoada
será a criança que vier ao mundo em meio a um engarrafamento causado por
um bloco ou escola de samba. Essa criança nascerá num momento de paz,
união, confraternização, alegria. Triste da criança que sair da barriga
da mãe durante um dos incontáveis engarrafamentos causados pela ausência
de planejamento urbano na nossa cidade.Coitada da criança que receber
o choque de um novo mundo no meio de um engarrafamento causado por um
tiroteio entre PMs e traficantes.
Coitado
também de quem, já adulto, não tem sensibilidade suficiente para
compreender o grande momento que é o carnaval. Não consegue enxergar que
o mundo seria tão melhor se o sambódromo fosse mesmo a capital o
tempo todo. Não teríamos que viver sob os fantasmas de Brasília, as
idiotices de Washington ou o terror de Bagdá.
Cantaríamos infinitamente as melodias contagiantes dos sambas-enredo,
que pregam sentimentos de comunhão e fecharíamos nossos olhos e ouvidos
para o anseio de destruição destes lugares fúnebres citados acima. Viveríamos
em meio às lendas indígenas e africanas e talvez assim pudéssemos aprender
a viver em sociedade, em comunidade. Acho que seria um grande aprendizado,
mas infelizmente nossa vida durante 362 dias do ano ainda é guiada pelas
lendas européias e norte-americanas que privilegiam outros tipos de valores.
O
carnaval tem seus lugares comuns, clichês criados por uma mídia quadrada
que não consegue se encontrar o ano inteiro, que dirá numa festa
tão complexa e tão grande. Mas ainda é melhor ouvir na Tv os comentários
sobre a evolução do Império Serrano do que as sandices dos Big Brothers
da vida, apresentadas pelo "intelectual" galã Pedro Bial, inventor
da "espiadinha". Melhor ver a elegância de Paulinho da Viola
uma vez por ano do que presenciar as brigas do programa do Ratinho nos
testes de DNA.
Melhor
discutir a correção da Imperatriz do que os filmes de Charles
Bronson, matando tudo que aparece pela frente nas noites de domingo.
Será
que as pessoas ficam hipnotizadas durante a apuração à toa ? Ali elas
esquecem o preço da gasolina que aumentou, esquecem que o o décimo terceiro
ainda não foi pago, que o novo presidente ainda não conseguiu mudar em
nada a vida da população, esquecem que existe gente insensível que debocha
do carnaval. Pelo menos por aquelas horas as pessoas sonham com uma felicidade,
torcem por ela.
Um
carnaval comandado por contraventores, diz o autor. Mas quem nesse país
pode atirar a primeira pedra quando os magistrados do STF vendem
habeas corpus para traficantes, quando elegemos uma bancada enorme de
deputados ligados ao tráfico, à igreja "Univer$sal" e afins
? Um país onde a corrupção impera de ponta a ponta entre polícia e bandidos;
empresários e fiscais; secretários e governadores; dirigentes de
futebol e atravessadores de craques pode recriminar a presença de bicheiros
numa festa popular?
Talvez
essa palavra seja o grande problema para alguns setores da elite que não
conseguem aceitar manifestações vindas de camadas mais baixas da população.
Mesmo depois que o carnaval virou festa internacional (consagrada como
a melhor do mundo por um jornal americano, veja só), atrai quatrocentos
mil turistas à cidade, envolve a cada ano mais empresas de grande porte
( A Vale do Rio Doce investiu nada menos que R$ 6 milhões este ano) ainda
tem gente dentro da própria cidade que insiste em achar que não vale a
pena.
Talvez
essa gente nunca tenha parado para olhar o sorriso de uma mulata,
para sentir a cadência de uma boa bateria, para ouvir as mensagens de
um samba-enredo. Nem todos têm sentimento suficiente para isso. Alguns
preferem viver no seu mundo do dia-a-dia, um mundo de desigualdades e
barbaridades. Um mundo de hierarquias e ordens, bem difrente da essência
do carnaval.
Tenho
pena dessas pessoas. Mas ainda há tempo, GRAÇAS A DEUS o carnaval
está aí.
Quem
sabe essas pessoas não se abrem um pouco, se despem de suas máscaras do
cotidiano para vestir as fantasias do carnaval ? Com certeza elas vão
gostar de sorrir nem que seja uma vez por ano.
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