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Eu
me lembro do dia 04 de março de 2002. Estávamos, a Diretoria Cultural
do
Salgueiro, num barzinho da Tijuca especulando sobre o carnaval 2003 e
comemorando a vinda do Renato Lage para o Salgueiro.
- Já pensou?? 50 anos... Quarta-feira de cinzas... Renato Lage... Nada
mal, né??
- E as demais escolas, como virão??
- Acho que a Mangueira vem com um enredo sobre brinquedos... Mas parece
que
tem um negócio religioso, um enredo que o Max classificou como "pesado"
numa
entrevista à revista da Mangueira, naquela mesma linha dos ciganos.
- E a Beija-Flor??
- Parece que vem com Fluminense... Ou com guaraná.
- Imperatriz??
- Dela a gente só vai saber lá p/ junho.
- E quem realmente ganhou no Grupo A?
- Ih, isso vai dar pano pra manga. Viu que a jurada trocou as notas? Parece
que a Vila vai entrar com recurso...
- Daqui a pouco a gente vai saber de todos os enredos. E começam as
eliminatórias... Final de samba-enredo... protótipos. Passa rápido. Quando
a
gente vir, já é carnaval.
E é mesmo... Faltam menos de duas semanas para a gente virar história
de
novo. Para cada um que milita, trabalha, desfila ou simplesmente torce,
a
contagem regressiva vira uma obsessão. A cada momento está mais próximo
"o
grande dia, da alegria", como diria o samba da União da Ilha. Mais
um ano em
que a gente cai com as decisões das nossas escolas, que na época julgamos
incoerentes; depois levantamos com ela e vemos as razões que as levaram
a
adotá-las. E torcemos para dar tudo certo.
Daqui a alguns dias estaremos recebendo os amigos de fora do Rio, abraçando
os vencedores, xingando os jurados, aplaudindo baianas, mestres-salas
e
porta-bandeiras, comissões de frente. Já pensaram? Falta pouquinho...
E sobe aquele frio na barriga. E sobra ansiedade. E falta tempo. Tudo
planejado:
- Faltam duas semanas ainda.
Mas os dias vão passando. As coisas não vão ficando prontas. E a gente
angustiado, a tensão aumentando, o mundo caindo na nossa cabeça, o mundo
virando de cabeça para baixo. Um cansaço feliz toma conta da gente.
Burburinhos de todos os cantos aparecem:
- Sabe a escola tal? Tá com o barracão atrasado. O da outra tá com tudo
em
cima. Ih, pintou uma crise com o mestre de bateria... E a porta-bandeira
que
fraturou o dedão no ensaio??
É tudo um grande quebra-cabeça que só se monta nos desfiles. Ou não se
monta. Fica no meio do caminho entre o devaneio e a impossibilidade física,
tecnológica, financeira ou humana de executar o projeto. Mas aquela curva
mágica iguala a todos e transforma a nossa personalidade, num transe de
mais
ou menos meia hora. No carnaval, alcançamos o ideal humano de felicidade,
mesmo que seja efêmero, que muitos ainda insistem em enquadrar como
supérfluo, desperdício ou festa pagã. Mal sabem eles que o Divino ali
se
manifesta em toda a sua plenitude. Ah, se eles soubessem...
Lembro uma frase que o Joãosinho usou no desfile da Beija em 85, "A
Lapa de
Adão e Eva": - "Política é brincadeira. Carnaval é coisa
séria". Mas aí vem
outra frase do grande Viriato Ferreira: - "Não se deve levar a sério
uma
festa que começa num mangue e termina num cemitério". Pode ser. Mas
é essa
festa que nos aproxima. Que nos torna membros de uma única comunidade.
De
uma única bandeira e de uma única nacionalidade. Existe coisa mais séria
do
que isso?
Enquanto uns
loucos querem brigar com bombas, mísseis e tanques, nós
brigamos com confetes e serpentinas. Acho que somos mais felizes do que
eles.
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