1983: Quando e como tudo começou

 

           A paixão pelo samba vem de sempre. Desde os tempos em que eu não entendia porque meus pais gostavam tanto... Minha mãe era Independente (hoje em dia, se declara tijucana, virou a casaca). Já meu pai é daqueles imperianos que te cumprimentam com o clássico "saudações imperiais". Mas, apesar de suas preferências, nenhum dos dois queria nos influenciar (a mim ou ao meu irmão) na decisão da escola de samba que iríamos torcer. Por isso, eles nos levavam em quase todas para que, mais tarde, pudéssemos escolher a do coração.
          Ali, da nossa cobertura na Rua Barão de Cotegipe, ouvia-se perfeitamente o ensaio da Vila Isabel, quando ele ainda acontecia naquela antiga garagem da CTC, onde hoje funciona um shopping. Meu irmão e eu ficávamos horas na varanda, sentadinhos, ouvindo os sambas. Até hoje, sei vários sambas da Vila por causa dessa época... Adoro "Sou da Vila, não tem jeito, comigo eu quero respeito, que meu negócio é sambar, o iaiá!!!". Até o "boa noite" final do locutor era bom... era a nossa deixa para voltar de fininho para o quarto, antes que Seu João e Dona Anita (nossos pais) flagrassem a gente curtindo a "boemia".
          As tardes de domingo quase sempre eram na quadra do Salgueiro, onde ensaiava a nossa saudosa Alegria da Passarela, agora chamada de Aprendizes do Salgueiro. Lá, aprendemos o verdadeiro significado do termo "escola de samba". Aprendíamos a gostar de ouvir samba, já que a agremiação recebia a visita de sambistas famosos.
          Eu aprendi a tocar vários instrumentos com os meninos da bateria. Com o Clair, o Macarrão e o falecido Robinho, que era o Mestre de bateria da Alegria, filho de Almir Guineto. Um amigo que perdemos antes mesmo de passar a entender o que era morte. Mas, sempre que eu lembro dele, fico feliz e me dá vontade de tocar terceira.
          Como foliã de Ala de Crianças, desfilei no Império Serrano, no Salgueiro e na Mocidade. Comecei em 1983. Na verdade, não consegui desfilar porque não tinha idade suficiente e era muito pequenininha. Mas, ainda assim, considero que o fiz, já que meu irmão desfilou e eu freqüentei todos os ensaios com ele. Pra mim, conta. Dudu saiu na ala mirim coreografada do Império, no desfile "Mãe Baiana Mãe", de um já maravilhoso Renato Lage. Aqueles ensaios eram muito legais. Às vezes, freqüentávamos também os ensaios do jongo na Serrinha, inesquecíveis... Mas quando eu ia para a casa da minha tia Gracinha, em Padre Miguel, o ensaio era da Mocidade. "Como era verde o meu Xingu", do incrível Fernando Pinto. Lembro que na casa dessa minha tia as crianças levantaram uma boa grana colocando as infinitas miçangas das tanguinhas da linda fantasia da ala Maiorais do Samba, da qual ela era presidente. Naquela época pré-carnavalesca, a criançada investiu o dinheiro em muito sorvete, dos mais variados sabores...risos.
          Em 1984, enfim, comecei a desfilar. Estreei junto com a nova Passarela do Samba, de Oscar Niemeyer. Entrei na Avenida com o Império Serrano, em "Foi Malandro É" e pela Mocidade, com "Mamãe, eu quero Manaus". Foi muito legal. Como sambista de alma, me apaixonei pela Mangueira. Porque a Mangueira é a escola da combinação de cores mais lindas, as minhas cores preferidas, a Supercampeã. Lembro que fiquei muito intrigada porque só a Mangueira foi e voltou. Minha mãe respondeu: "Porque Mangueira é Mangueira, minha filha. Tem que respeitar." Certa ela.
          De todas as escolas que nós freqüentávamos, Padre Miguel era a mais distante de nossa casa. Mas era também a mais divertida. Tinha as pessoas mais legais, as pessoas mais bonitas... E tinha ainda uma estrela como símbolo. Eu, que sempre gostei de estrelas, achei a Mocidade chiquérrima!!! A Beth Andrade chiquérrima. Eu também era vidrada no Fernando Pinto. Aqueles cachinhos davam um ar meio angelical a ele, que era tão carinhoso com as crianças da ala. Sempre vinha nos cumprimentar. Sou fã incondicional de Elza Soares, nascida e criada em Vila Vintém. E é por essas e outras que eu nunca imaginei que, anos depois, me apaixonaria novamente por outra escola, de cores totalmente diferentes... Mas, essa história, contarei em outro texto.

"Sou a Mocidade,
Sou independente
Vou a qualquer lugar".

Lucinha Nobre (Porta-bandeira, produtora, coreógrafa do Concurso de Rei Momo e Rainha do Carnaval)
(Publicado originalmente no site Tudo de Samba)

 

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