Pixinguinha e o carnaval de ontem

 

          "- O que é que Pixinguinha tem com o carnaval?"
          Se você respondeu: "- Nada!", meu amigo, você está por fora. Porque ele tem, sim, e muito! Quando se fala em qualquer manifestação de cultura popular em que haja música, antes de 1973, pode contar que o talento de Pixinguinha está lá dentro, enriquecendo tudo.
          Alfredo da Rocha Vianna Junior nasceu na Piedade, no dia 23 de abril de 1897, dia de São Jorge/Ogum. Eram 14 irmãos, quatro brancos, filhos do primeiro casamento de Raimunda, a mãe mulata, com o português João de Oliveira Torres, e 10 negros, filhos da segunda união com o negro Alfredo da Rocha Vianna, flautista e funcionário dos Correios. Uma família com a cara do Brasil!
          Já no Catumbi, numa casa tão grande que os amigos chamavam de "Pensão Vianna", o menino ganhou o apelido de Pizindim (que não foi dado por nenhuma avó africana e e nem significa "menino bom",  como disseram por aí, porque as duas avós, Edelvirges e Pacífica, eram brasileiras) e começou a tocar flauta com o pai, revelando talento ímpar.
          Aos 11 anos compôs o seu primeiro choro e então o pai contratou-lhe um professor de verdade, Irineu de Almeida, que logo enxergou no menino uma estrela!
          No ano de 1911, Irineu era diretor de harmonia do rancho "Filhas da Jardineira". Ainda não existiam as escolas de samba, eram os ranchos a maior atração do carnaval. Nos ranchos, em vez de bateria, as músicas (marchas, marchas-rancho, choros, maxixes) eram tocadas por uma espécie de banda, formada por instrumentos de sopro e de cordas, onde o pai e os irmãos de Pixinguinha tocavam violão e ele, flauta.
          Já no ano seguinte, 1912, com apenas 15 anos, Pixinguinha tornou-se diretor de harmonia do rancho "Paladinos Japoneses". E assim foi.
          Em 1917, ano de gravação do "Pelo Telefone", de Donga e Mário de Almeida, o gênero samba ainda não estava estabelecido como hoje o conhecemos. O nome samba era atribuído a tangos e maxixes, dando  margem a diversas polêmicas, uma das quais entre o grupo de Donga (Pixinguinha, China, Hilário Jovino e João da Bahiana) e Sinhô (José Barbosa da Silva).
          Este, autor de maxixes famosos como "Jura" e "Gosto que me enrosco", se auto-intitulava "O rei do samba" e não se conformou com o sucesso do também maxixe de Donga, que ficou conhecido como primeiro samba, em virtude do retumbante sucesso  obtido.
          Pixinguinha, Donga, China, Hilário Jovino e João da Bahiana, que formavam o bloco "Quem fala de nós tem paixão", lançaram a marcha "Inveja", respondida por Sinhô com outra marcha "Resposta à Inveja". Podia ter tudo terminado aí.
          Mas, no carnaval seguinte, Sinhô lançou a composição "Quem são eles?", que foi tomada como alusiva ao grupo de Pixinguinha, que formara um bloco com esse nome. Aí, a coisa esquentou, pois cada um resolveu dar o troco separadamente, fazendo que a pergunta de Sinhô fosse respondida por três composições: Donga retrucou com "Fica calmo que aparece"; Hilário Jovino com o seu "Não és tão falado assim"; e até Pixinguinha e seu irmão China trataram de nocautear Sinhô com o agressivo "Já te digo".
          Essa música tornou-se o maior sucesso do carnaval de 1919 e fez de Pixinguinha uma personalidade solicitada para abrilhantar tudo quanto era festa carnavalesca da época, consolidando ainda mais a posição do jovem músico como mola propulsora da folia carioca.
          Pixinguinha nos deixou em 1973. Em 1974, a Portela desfilou com o enredo "O mundo melhor de Pixinguinha", classificando-se como vice-campeã. Pixinguinha e o carnaval são eternos.

JÁ TE DIGO (Pixinguinha e China)

Um sou eu
E o outro não sei quem é
Ele sofreu
Por usar colarinho em pé
 
Vocês não sabem quem é ele
Mas eu te digo
Ele é um cabra feio
E fala sem receio
E sem medo de perigo
 
Ele é alto e magro e feio
E desdentado
Ele fala do mundo inteiro
E já está avacalhado
No Rio de Janeiro
 
No tempo em que tocava flauta
Que desespero!
Hoje ele anda janota
À custa dos trouxas
Do Rio de janeiro

Marília Trindade Barboza
escritora, pesquisadora de MPB e foi presidente da Fundação Museu da Imagem e do Som (MIS)
(Publicado originalmente no site O Dia na Folia)

 

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