Escola de Samba S/A - GRE$ Unido$ da S/A $aúda o povo e pede pa$$agem

 

          A história das escolas de samba pode ser dividida em dois momentos: antes e depois da década de 70. Na primeira fase, se consagraram nomes como Paulo da Portela, Cartola, Silas de Oliveira ou Mano Décio. O sambista era a grande atração dos desfiles. A segunda fase, esta que vivemos hoje, marca a hegemonia dos carnavalescos, dos artistas de TV e das modelos internacionais no papel de estrelas do “maior espetáculo da terra”. Ao mesmo tempo em que a classe média expulsa a comunidade das alas, embranquecendo as escolas, o carnaval deixa de ser uma festa e passa à condição de negócio. Chega a hora da Escola de Samba S.A.
          A era romântica ficou para trás. Os barracões das escolas de samba funcionam hoje como linhas de produção de uma moderna fábrica. Softwares sofisticados garantem carros alegóricos com estruturas mais leves e resistentes. O computador controla os efeitos luminosos que encantam o público no Sambódromo. Os carnavalescos descobrem novos materiais para confecção de fantasias, alegorias e adereços. Não há mais espaço para amadorismo e improviso. Planejamento, organização, profissionalismo e custos são palavras repetidas nos barracões como se fossem uma espécie de mantra.
          As agremiações do Grupo Especial não revelam quanto custa colocar a escola na avenida. Na guerra travada pela conquista do título de campeã, tal informação é considerada “segredo de estado”. Especula-se que os gastos com o barracão (mão-de-obra e produção de fantasias, carros alegóricos e adereços) e a compra de passes (mestre-sala e porta-bandeira, puxador de samba e carnavalesco) podem chegar a R$ 6 milhões. Para cobrir despesas de tal magnitude, as receitas precisam ser proporcionais: venda dos direitos de transmissão do desfile, participação na vendagem do disco de samba-enredo, patrocínio de enredo, subvenção da Riotur, contratos de exclusividade com fabricantes de bebidas, venda de fantasias e bilheteria dos ensaios, entre outras fontes.
          Tamanha movimentação de dinheiro atrai pessoas com os mais variados interesses comerciais, gera conflitos e afasta os componentes ligados “à comunidade”. A estes, faltam os recursos para comprar fantasias ou pagar o ingresso dos ensaios. Com isso, as escolas de samba embranquecem, passando a ter alas de artistas, de jogadores de futebol e até de turistas estrangeiros. O passista foi substituído pelo componente – aquele que não samba, só evolui.
          A visão empresarial afastou não só os passistas anônimos. Sambistas famosos também deixaram de freqüentar as quadras, espaço originalmente usado pelos compositores para apresentação de suas músicas. Às vezes, o afastamento acontece de forma traumática: Paulinho da Viola ficou vários anos sem desfilar pela Portela; Martinho da Vila não saiu em 2006 pela Vila Isabel e acusou a escola de desrespeitá-lo. Atualmente, apenas a escolha de samba-enredo movimenta as quadras – que, fora do período de ensaios, chegam a sediar até baile funk.
          O compositor, escritor e pesquisador Nei Lopes é uma das vozes mais veementes contra a descaracterização das escolas. Para ele, as agremiações não representam mais o espaço para criação e apresentação do samba. O jornalista Sérgio Cabral, autor do livro As escolas de samba do Rio de Janeiro, também tem uma visão pessimista:
          – Muitas das escolas de samba têm samba apenas no nome. O samba-enredo se transformou em marcha, pois precisa empurrar 5 mil componentes em um desfile com pouco mais de uma hora de duração. As quadras não reúnem mais os compositores e o samba de escola desapareceu. O que a gente vê de verdadeiro são as velhas guardas, que lutam para manter viva a tradição dos grandes compositores. Para comprovar como o samba-enredo não tem mais apelo, basta fazer um teste: peça a alguém para cantar um samba do carnaval do ano passado. Ninguém conseguirá. Um de 2006 talvez ainda seja cantado por aqueles mais ligados à escola A, B ou C. Isso mostra que os sambas-enredo são todos iguais e não marcam. Os sambas-enredo que todo mundo canta são composições de dez, vinte ou trinta anos atrás – destaca Cabral.
          Na estrutura da Escola de Samba Unidos da S/A, mais vale grana no bolso do que samba no pé. O desfile do Sambódromo se tornou um espetáculo muito mais visual do que musical. Carros alegóricos gigantescos, coreografias complexas nas comissões de frente, fantasias luxuosas e celebridades na avenida são os ingredientes necessários para o sucesso. Se o samba é ruim, isso é compensado com mais brilho nos adereços; se os componentes não sabem cantar o samba, o puxador contratado a peso de ouro dá conta do recado; se a bateria deixa a desejar, basta colocar uma modelo/manequim/apresentadora seminua fazendo caras e bocas à frente dos ritmistas. O dinheiro resolve tudo, menos a falta de talento.

Marlucio Luna
Marlucio Luna é editor de conteúdo do Programa Século XX1
(Publicado originalmente no site da MULTIRIO em 17 de janeiro de 2007)

 

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