Samba: Origens, transformações e indústria cultural (1916 - 1940)

 

Conclusão

 

"Ninguém faz samba porque prefere
sobre o poder da criação força nenhuma no mundo interfere
e fabricado em série é o coringa do baralho
resitência cultural (...)
e passo a passo foi tomando conta de mim
é coisa fina DJ com tamborim
fortaleceu meus braços abriu minha cabeça
um ser humano digno aconteça o que aconteça
hip hop rio um punhado de bamba
e sabe o que que é isso a maldição do samba
"
("Maldição do Samba", de Marcelo D2 e Zé Gonzales, com citação de "O Poder da Criação", de João Nogueira e Paulo César Pinheiro)

          A discussão que envolve a problemática da pureza e da transformação do samba em produto comercial, assim como tudo aquilo que de alguma forma derive dele, em termos, já é muito velha. Como nós pudemos constatar neste estudo, enquanto o samba ia se consolidando, não só como ritmo nacional, mais ainda enquanto gênero musical em si, este tipo de questionamento já estava sendo feito pelos próprios sambistas, participantes ativos do processo de criação da música popular brasileira.
          Talvez por isso mesmo seja tão difícil, talvez impossível, dizer ao certo se o samba foi, ou não, dominado pela indústria cultural. Seria Carmem Miranda a prova perfeita para afirmar que o samba se deixou "americanizar"? Ou seria o carnaval exemplo "vivo" desta indústria do entretenimento? E, principalmente, se estas mudanças pelo qual o samba passou devem ser entendidas como perda de sua "autenticidade", como muitos querem afirmar?
          Fato é que, antes mesmo de discutirmos estas questões relacionadas à indústria cultural, já se discutiam lá na época de Ismael Silva qual seria o samba verdadeiro, ou se o samba estava se corrompendo, como bem mostra Carlos Sandroni em seu livro acerca dos lamentos de Vagalume, com a venda de músicas.
          Todas as questões giram em torno da mesma problemática: a autenticidade do samba.
          Não é novidade, portanto, discussões sobre o samba e estas mesmas servem, desde o início, para comprovar que o samba possui várias formas e que também pode ter vários significados. Seja como festa, como música como dança ou ainda como símbolo da cultura brasileira, o importante é perceber que ele conseguiu ir sobrevivendo mesmo diante dos tantos obstáculos.
          Por este e tantos outros fatores, fui levada a entender que o samba não é também símbolo máximo da indústria cultural no Brasil. O samba é sim, um desdobramento inevitável de uma nova ordem mundial que, juntamente com as mudanças internas ocorridas na sociedade brasileira, possibilitou aos poucos que ele surgisse das camadas populares de nosso país, até então, menosprezadas e impossibilitadas de se expressar devidamente. Refiro-me ainda que, com o advento do capitalismo em terras brasileiras, houve a introdução de um novo tipo de indústria [cultural]. Esta floresceu também por todo o mundo, aos poucos, e trouxe com ela o conceito de estética, acarretando significativas mudanças nos padrões de arte e de música, que permearam todas as relações artísticas e culturais a partir de então.
          A consolidação do samba também foi, no mínimo, importante para desencadear inúmeras discussões na sociedade brasileira da época, e como vemos, também nos dias de hoje. A questão do direito autoral, da profissionalização do músico, do desenvolvimento de um mercado musical que trouxe consigo muitos artistas populares e até mesmo discussões de nível acadêmico sobre o papel do mestiço em nossa sociedade, são alguns dos temas que estavam diretamente relacionados com o samba.
          Grande exemplo destas transformações sofridas ao longo de sua história é que o samba recebe inúmeras classificações e até mesmo subgêneros, como bem coloca Nei Lopes: samba de partido-alto, samba de morro, sambolero, samba-canção, samba de breque, sambandido, samba-balada, samba-choro, samba-enredo, samba de gafieira, samba-rock etc.
          São transformações que foram realizadas por diversas pessoas e agentes sociais, como o Estado, o capital, a indústria do disco, os negros, as classes populares e média etc. Mas que, no final, atesta um único denominador comum: é brasileiro.
          Tão brasileiro que contém todos os aspectos característicos de nossa cultura, ou seja, é popular, é tradicional, é novo, tem ginga, tem malandragem, é espontâneo e acima de tudo é complexo. Assim como disse Chico Buarque de Holanda na música "Tem Mais Samba":

"Tem mais samba no encontro que na espera,
Tem mais samba a maldade que a ferida,
Tem mais samba no porto que na vela,
Tem mais samba o perdão que a despedida.
Tem mais samba nas mãos do que nos olhos,
Tem mais samba no chão do que na lua,
Tem mais samba no homem que trabalha,
Tem mais samba no som que vem da rua.
Tem mais samba, no peito de quem chora,
Tem mais samba no pranto de quem vê
Que o bom samba não tem lugar nem hora,
O coração de fora
Samba sem querer

Vem que passa
Teu sofrer
Se todo mundo sambasse
Seria tão fácil viver.
"

Anexos:

l - BEBADOSAMBA (Paulinho da Viola)

Um mestre do verso, de olhar destemido,
disse uma vez, com certa ironia :
"Se lágrima fosse de pedra
eu choraria"
Mas eu, Boca, como sempre perdido
Bêbado de sambas e tantos sonhos
Choro a lágrima comum,
Que todos choram
Embora não tenha, nessas horas,
Saudade do passado, remorso
Ou mágoas menores
Meu choro, Boca,
Dolente, por questão de estilo,
É chula quase raiada
Solo espontâneo e rude
De um samba nunca terminado
Um rio de murmúrios da memória
De meus olhos, e quando aflora
Serve, antes de tudo,
Para aliviar o peso das palavras
Que ninguém é de pedra

Bebadosamba, bebadosamba
Bebadosamba, bebadosamba
Meu bem
Bebadosamba, bebadosamba
Bebadosamba, bebadosamba
Bebadosamba, bebadachama
Também

Boca negra e rosa
Debochada e torta
Riso de cabrocha
Generosa
Beijo de paixão

Coração partido
Verso de improviso
Beba do martírio
Desta vida
Pelo coração

Bebadachama (chamamento)

Chama que o samba semeia
A luz de sua chama
A paixão vertendo ondas
Velhos mantras de aruanda
Chama por Cartola, chama
Por Candeia
Chama Paulo da Portela, chama,
Ventura, João da Gente e Claudionor
Chama por mano Heitor, chama
Ismael, Noel e Sinhô
Chama Pixinguinha, chama,
Donga e João da Baiana
Chama por Nonô
Chama Cyro Monteiro
Wilson e Geraldo Pereira
Monsueto, Zé com fome e Padeirinho
Chama Nelson Cavaquinho
Chama Ataulfo
Chama por Bide e Marçal
Chama, chama, chama
Buci, Raul e Arnô Canegal
Chama por mestre Marçal
Silas, Osório e Aniceto
Chama mano Décio
Chama meu compadre Mauro Duarte
Jorge Mexeu e Geraldo Babão
Chama Alvaiade, Manacéa
E Chico Santana
E outros irmãos de samba
Chama, chama, chama

Bebadosamba, bebadosamba
Bebadosamba, bebadosamba
Meu bem
Bebadosamba, bebadosamba
Bebadosamba, bebadosamba
Bebadosamba, bebadachama
Também

2 - Dedicatória:

          Aos meus pais que sempre me apoiaram e me deram condições de estar aqui hoje e, principalmente, a meu pai que sempre disse sabiamente: "Calma, que você ainda vai gostar disso".
          Aos meus amigos do coração, Mariana, Noêmia e Lucas, sempre muito pacientes comigo. E ainda, a Suzane que hoje não só gosta, como entende perfeitamente que: "Eu canto samba por que só ssim eu me sinto contente, eu vou ao samba porque longe dele eu não posso viver. Com ele eu tenho de fato uma velha intimidade. Se fico sozinho ele vem me socorrer".

3 - Agradecimentos:

          Antes de tudo, gostaria de agradecer a meu Tio Junior, pela ajuda e camaradagem ao me possibilitar ter acesso a bons livros sobre samba. Muito obrigada mesmo, porque foi muito importante.
A Professora Dra. Maria Amélia Garcia Alencar por me possibilitar uma orientação segura e tranqüila, sem nenhum tipo de problema, que tanto facilitou meu trabalho de pesquisa.
Aos bons colegas de classe que eu tive o prazer de conviver. Alguns, que se transformaram em queridos amigos com o passar do tempo, não sem discussões, muito me ajudaram neste último ano.
Obrigada pelo seu apoio, amizade e incentivo: Lorena, Danilo, Flaubert, Sancho, Dirço, Rodrigo, Claitonei, Dorvany e, principalmente, as heroínas: Stella, Juliana e Mábia.

4 - Bibliografia:

4.1 - Referências bibliográficas:

  • ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. 2000. A Indústria Cultural - O esclarecimento como mistificação das massas. In: Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

  • BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Média. São Paulo: Companhia das Letras,1989.

  • CÂNDIDO, Antônio. O significado de Raízes do Brasil. In: Hollanda, Sérgio Buarque de, Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio. 1995.

  • CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

  • CARVALHO, Maria Alice de Rezende. O samba, a opinião e outras bossas... na construção republicana do Brasil. In: Decantando a República - Inventário Político da Canção Popular Moderna Brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.

  • COSTA, Haroldo. Na cadência do samba. Rio de Janeiro: Novas Direções, 2000.

  • DA MATA, Roberto. O que faz do Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Salamandra, 1994.

  • FALCON, Francisco. História Cultural: Uma nova visão sobre a sociedade e a cultura. Rio de Janeiro: Manati, 2002.

  • FAUSTO, Boris. A Revolução de 30. São Paulo: Brasiliense, 1995.

  • FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992.

  • GOMES, Ângela Castro. A Invenção do Trabalhismo. São Paulo: Vértice, 1988.

  • HOBSBAWN, Eric. A Era das Revoluções. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

  • HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

  • LARAIA, Roque de Bastos. Cultura, um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.

  • LOPES, Nei. O negro no Rio de Janeiro e sua tradição musical. Rio de Janeiro: Pallas, 1992.

  • LOPES, Nei. Sambeabá - o samba que não se aprende na escola. Rio de Janeiro: Casa da Palavra/ Folha Seca, 2003.

  • NAPOLITANO, Marcos. História e Música. São Paulo: Autêntica, 2002.

  • ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 1995.

  • ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 2001.

  • SANDRONI, Carlos. Feitiço Decente (Transformações do samba no Rio de Janeiro, 1917- 1933). Rio de Janeiro: Jorge Zahar/UFRJ, 2001.

  • SEVCENKO, Nicolau. Introdução. In: Alencastre, Luis Felipe. A História da Vida Privada no Brasil. Vol. 3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

  • SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão. São Paulo: Brasiliense, 1999.

  • TRAMONTE, Cristina. O samba conquista passagem. Petrópolis: Vozes, 2001.

  • TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música popular. São Paulo: Ática, 1986.

  • VARGENS, João Batista e MONTE, Carlos. A velha guarda da Portela. Rio de Janeiro: Manati, 2001.

  • VASCONCELLOS, Gilberto e SUJUKI JR, Matinas. A Malandragem e a Formação da Música Popular Brasileira. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. Vol. 4. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

  • VELOSO, Marisa e MADEIRA, Angélica. Leituras Brasileiras: Itinerários no Pensamento Social e na Literatura. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

  • VIANNA, Hermano. O mistério do samba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.

  • VOLVELLE, Michel. Ideologias e Mentalidades. São Paulo: Brasiliense, 1991.

4.2 - Referências Eletrônicas:

  • BENEVIDES, André. Projeto nacionalista de Getúlio Vargas se beneficiou do samba. Disponível em: www.academiadosamba.com.br/memoriasamba/artigos/artigo-095.htm. Acesso em: 14 set 2004.

  • FENERICK, José Adriano. Nem do morro, Nem da Cidade: As Transformações do Samba e a Indústria Cultural. 1920-1945. Tese (Doutorado em História Econômica, 2002) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Disponível em: www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8137/tde-28052003160547/. Acesso em: 2 nov 2004.

  • PARANHOS, Adalberto. A transformação do samba em símbolo nacional a partir da análise da produção musical das décadas de 20 a 40 no século XX. Disponível em: www.samba-choro.com.br/debates/1055709497. Acesso em: fevereiro/2003.

4.3 -Periódicos:

  • CALDEIRA, Jorge. O Tcheco Que Deu Samba. História Viva. São Paulo, 2003, n. 1, p. 66-71.

  • Mauad, Ana Maria. A Embaixatriz dos balagandãns. Nossa História. Rio de Janeiro, 2004, vol.6, p. 56-61.

  • PARANHOS, Adalberto. Os desafinados do samba na cadência do Estado Novo. Nossa História. Rio de Janeiro, 2004, vol. 4, p. 16- 22.

4.4 - Coletânea de disco:

  • História da Música Popular Brasileira - Série Grande Compositores, 1973- 1986. São Paulo: Abril.

Giovana Papini
(Publicado Originalmente no site Brasileirinho)

 

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