O Rei Momo está nú

 

          O carnaval afro-elétrico-empresarial que emergiu e consolidou-se nas duas últimas décadas está em crise. É que o sobreuso de suas práticas mercantis, hegemônicas na produção e organização da festa, acabou por provocar o que os engenheiros chamam de fadiga de material. Mercado oligopolizado por uma meia dúzia de entidades carnavalescas, excesso de carga nos circuitos físicos da festa – com o conseqüente desequilíbrio entre espaço público (do pipoca) e espaço privado (dos blocos) - e sérias limitações à expressão da diversidade – as dificuldades enfrentadas por afoxés e blocos afro são apenas uma dimensão deste problema – são sinais que devem nos obrigar a pensar soluções para a festa.
          Todavia, não se trata de advogar uma volta ao passado, imaginando que a solução seria um retorno aos tempos em que pela larga barra do reino de Momo ainda não entravam tantos negócios, negociantes e turistas. Aqui, o déficit não é de passado e sim de futuro.
          É que estas e outras tantas questões que precisam ser enfrentadas na direção de um modelo sustentável para o nosso carnaval demandam menos saudades dos carnavais de antigamente (ou seriam saudades da nossa juventude?) e mais criatividade e inteligência. Criatividade, que se traduza em políticas culturais dedicadas a acolher e estimular a rica pluralidade de identidades carnavalescas. Inteligência, capaz de desenhar a indispensável regulação do mercado da festa na direção de uma apropriação menos desigual das suas oportunidades - definindo, por exemplo, onde e quando devem desfilar as entidades, o que significa romper com o falso critério de antiguidade que organizou a ordem do desfile no circuito da Avenida. Criatividade e inteligência que exigem, fundamentalmente, vontade política do poder público, municipal e estadual, em assumir a governança do carnaval - tarefa da qual se desobrigou nos últimos anos, contentando-se, tão somente, em especializar-se no provimento da infra-estrutura e dos serviços indispensáveis à festa (o que, aliás, faz com excelência digna de louvor) e repassando ao mercado a responsabilidade pela gestão do carnaval.
          Assim, não se trata de censurar a nudez de Momo – até porque podemos alegremente nos calar “frente ao fato de que o rei é mais bonito nu”. Trata-se, isto sim, de fazer com esta nudez possa realmente significar a soma de todas as fantasias que o carnaval da Bahia sugere.

Paulo Miguez
Professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRBA
(Publicado originalmente no Jornal Correio da Bahia em 21/02/2007)

 

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