G.R.E.S Unidos do Viradouro
Arquitetando Folias

 

O Enredo no Samba: Estrutura discursiva

          Com um dos melhores enredos do ano, a Viradouro conta a história da arquitetura brasileira e, paralelamente, mostra a evolução da folia no tempo.
          Os compositores conseguiram retratar no samba cada estilo arquitetônico apresentado na extensa porém esclarecedora sinopse. Rica em informações sobre o enredo abordado, a sinopse contém ainda textos literários e idéias de especialistas sobre arquitetura, que auxiliam, e muito, na compreensão da proposta temática, isto sem contar com o detalhado planejamento setorizado do desfile, ou seja, os compositores tiveram a seu dispor, antes de elaborarem o samba, a divisão seqüencial narrativa do enredo que será apresentada pela agremiação.
          Convém ressaltar que a Viradouro possui o nome de enredo mais curto deste ano, com apenas duas palavras (“arquitetando folias”), mas que resumem de forma precisa o que se pretende abordar em desfile.
          O belo samba consegue captar a essência da história da arquitetura brasileira com criativos versos, retratando de forma tocante as principais características e fatos do enredo.

O Samba no Enredo: Estrutura lingüística

          Os versos adquirem admiravelmente um tom poético devido à construção metafórica da mensagem, visto que os compositores citam os principais fatos do enredo por meio de referências implícitas, contudo facilmente identificáveis, das quais destacamos:

“Vindos de além-mar, não poderiam imaginar” referência aos colonizadores.
“Nas obras de pedra sabão
Barroco, fé e devoção”
Aleijadinho
 “Com a moda de Paris
A burguesia faz seu carnaval”
referência ao carnaval importado.
 “Resiste, reluz o samba
E o artista arquiteta o visual”
adaptação e evolução do carnaval brasileiro, em que o carnavalesco é o grande arquiteto da folia.
 “Chega de ver tanto sonho desabar” referência à tragédia do edifício Palace II
“Favela! Oh! Favela!" trecho da antiga música “Favela”, de Roberto Martins e Waldemar Silva, gravada, dentre outros, por Adoniran Barbosa.
“Dos tempos em que a noite estrelada
Salpicava a morada”
refere-se concomitantemente ao trecho do poema de Mário Monteiro, da sinopse, e ao trecho da canção “Chão de estrelas”, de Silvio Caldas e Orestes Barbosa: “A porta do barraco era sem trinco, a lua furando o nosso zinco, salpicando de estrelas nosso chão”.
“A mente desse homem pelo mundo consagrado” Oscar Niemeyer
“Que fez cidade sem igual” referência à capital Brasília.
“Museu como nave espacial” Museu de Arte Contemporânea, em Niterói.
“Na apoteose, sou o astro principal” referência ao Sambódromo.
“De braços abertos, que emoção” referência à Cidade do Rio de Janeiro, através de um de seus símbolos, a estátua do Cristo Redentor.

          Quanto à construção rítmica dos versos, a letra do samba apresenta uma estrutura de rimas singular que dá uma identidade sonora ao samba da Viradouro. Apesar da tendência pela rima externa (sons semelhantes no final dos versos), os compositores sabiamente usaram outros recursos de ritmo, como as rimas internas (no interior dos versos) localizadas e versos brancos (sem rimas). Tais recursos imprimem uma cadência própria à composição.

Rimas externas Rimas internas
“Em que a miscigenação
alterando os conceitos incentiva a criação
“Brasil! Terra de encantos mil!
“Nas obras de pedra sabão
Barroco, fé e devoção
“Vindos de além-mar, não poderiam imaginar
“A burguesia faz seu carnaval
....
E o artista arquiteta o visual
“Quanta beleza, a natureza

Versos brancos

“Chega de ver tanto sonho desabar
A humanidade pode mudar
“A nova raça brasileira”
“Dos tempos em que a noite estrelada
Salpicava a morada
“Com a moda de Paris”
“Que fez cidade sem igual
Museu como nave espacial
“Resiste, reluz o samba”
“De braços abertos, que emoção
A Viradouro mora no meu coração
“Favela! Oh! Favela!”
  “Arquitentado folias”

                        Enfim, um samba com versos de melodia contagiante, bem construídos, com palavras, expressões e referências bastante adequadas que transmitem o enredo de forma sucinta porém clara.

Julio Cesar Farias
Julio é professor, escritor, pesquisador da linguagem na cultura popular, colaborador do Centro de Memórias do Carnaval da LIESA e membro do conselho Consultivo do Instituto do Carnaval da Universidade Estácio de Sá.

 

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