...E êxito |
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Uma única nuvem entre o sol e eu provoca um calafrio na minha espinha dorsal. Ele me lembra a missão que me trouxe, mais uma vez, ao meu posto de observação vivencial, a Ponta do Leme, Copacabana, Rio de Janeiro.Estou devendo o outro lado da história, a outra face da moeda, o oposto da frustração que relatei no artigo que traz este nome... Calendário Valeriano Ainda estou na Sapucaí. Peço desculpas pelo atraso cronológico, mas alguns fatos e sensações demoram um tempo para serem digeridos e, então, expostos. A ficha custa a cair... É como se, por alguma razão secreta, preferisse, primeiro compartilhá-los com meus vários eus e, assim, amadurecer suas conclusões. Se eu fosse jornalista (!) esta história perderia seu valor factual na segunda feira, após o desfile do sábado das campeãs. Como observadora da Ponta do Leme sou dona não apenas do meu espaço praiano, mas também, do meu próprio texto. Na contramão Depois de fazer a série de fotos dos instrumentos da Mangueira, “armados” na concentração, voltei para a avenida com uma tremenda dor nos pés. Queria dar uma respirada antes da escola armar e do esquenta em frente ao Setor 1 (como se sabe, a arquibancada do povão), bem na entrada da pista. O Som é o tom De repente, comecei a ouvir aplausos, gritos e assobios vindos do princípio da arquibancada. Virei para ver o que provocava o tumulto, que parecia me acompanhar pela pista. Eu andava, e o barulho ia junto. Certamente não era comigo. Hora da decisão Ele fazia de conta que não era com ele. A primeira coisa que pensei, ainda traumatizada com meu fracasso anterior, foi: “Não vou conseguir”. Mil empecilhos passaram chispando pela minha cabeça. “Os fotógrafos vão cercá-lo e tirar meu ângulo” Ninguém parecia ter notado o que estava acontecendo. “Ele vai parar para falar com alguém”. E Jamelão ali na minha frente. Impoluto e solitário. A arquibancada em peso ovacionava um dos personagens mais queridos e reverenciados do carnaval carioca. “O que faço?” pensei ainda medrosa. “Gravo este áudio, fotografo, faço tudo ou não faço nada?”. O pedido “Moça!”, gritaram pela grade, “tira uma foto para mim”, pedia um, com a camisa da Vila. “É o Jamelão”, ele informou, dispensando maiores explicações para o pedido.“Fotografo”, decidi me enchendo de coragem. A reverência Consegui registrar o momento em que ele resolveu se dar conta de que aquela gritaria toda era com ele. Jamelão parou, trocou algumas palavras com um conhecido que o cumprimentava, se virou e olhou para a multidão. Deu uns passos em direção a arquibancada e, de frente para ela, levantou sua bengala, colocou a mão no peito e, respeitosamente, baixou a cabeça saudando o povo que, agora, delirava diante da lenda mangueirense. Lambe-lambe Eu, meio que não acreditando que estava no lugar certo, na hora exata, disparava a câmera. Concentradíssima. Foi quando ouvi as minhas costas, o homem pedindo de novo: “ Tira uma foto para mim...” e dei de cara com sua mão estendida entre as barras da grade agitando uma câmera descartável. Pensei comigo: “Se ganhei o presente, por que não compartilhá-lo?” Peguei a câmera do cara, corri para chegar mais perto, em busca de um ângulo bacana, de um Jamelão um tanto intrigado com minha movimentação e clic! Mais uma foto. A lenda Como já disse, foram várias fotos, até que ouvi de um Jamelão muito mal humorado: “Minha filha, não vai parar não?” Respeitei o pedido dele, pensando com meus botões “Senhor Jamelão, enquanto o senhor estiver parado aí eles vão continuar me pedindo para tirar fotos e, por uma questão de princípios, não vou recusar a gentileza”. Mas, da minha boca, não saíram estas palavras. O máximo que consegui dizer foi: “Só posso parar, quando o senhor andar...” Aí, acredite, ele riu e se foi em direção ao recuo da bateria. O intérprete Na seqüência, ainda tive a chance de gravar o áudio do esquenta da Mangueira e ouvir a voz de Jamelão ecoando na Avenida “mangueira teu cenário é uma beleza...” Beleza mesmo foram os momentos em que parte deste cenário esteve ali, bem pertinho, só para mim e todo o povo do Setor 1. |
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Valéria Del Cueto |
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