A jurada e o colunista

 

          Eu sei que você nem quer ouvir mais falar em carnaval. Já deve estar pensando na Páscoa. Ou comentando os dois primeiros episódios da segunda temporada de “Lost”... Por falar nisso, deixa eu ver se entendi: a Globo só vai exibir a segunda temporada do seriado no ano que vem? O espectador vai ter que esperar as próximas férias do Jô Soares para saber o que tem dentro da escotilha? Eu, hein, Rosa! Mas, enfim, como o troca-troca de carnavalescos ainda é noticia de jornal, é bem capaz de o leitor se interessar por algum rescaldo do tríduo momesco. Então, voltemos a ele.
          Primeiro chegou um e-mail. No assunto, vinha a explicação: “Direito de defesa de minhas notas”. Era a jurada de alegorias retrucando a avaliação deste colunista de que o júri foi incompetente no desfile deste ano. Arquivei. Aí chegou o segundo e-mail. Este era um tantinho mais desaforado. Reproduzo-o:

          “Continuo aguardando resposta ao meu e-mail enviado no dia 8 de março deste ano de algum responsável, em virtude do referido comentário feito pelo colunista deste jornal Arthur Xexeo, particularmente a minha pessoa em sua coluna na mesma data, sua maneira incoerente de me qualificar como ‘incompetente’. Me admira muito um intelectual que tem em mãos um dos maiores meios de comunicação deste país se referir um outro profissional de maneira tão ofensiva sem base nenhuma para tanto, pois nem ao menos conhece alguns dos meus trabalhos para que pudesse avaliá-los e assim poder criticá-los. Aceitaria com maior prazer sua opnião, pois como disse no outro e-mail: ‘críticas são sempre bem vindas’, mesmo porque sou daquelas que não costumo me acomodar quando entrego um trabalho, por mais que meus clientes o admirem e se engrandeçam com ele, quero ser mais no próximo, mais criativa, mais detalhista, mais perfeccionista. O que não aconteceu com as notas dadas às escolas, está, talvez, ocorrendo neste momento, estou sendo ‘garfada’ no meu direito de defesa.”

          Mantive o estilo da jurada para não correr o risco de deixar passar alguma intenção escondida. Confesso que não havia publicado a defesa de “Cris Moura, arquiteta e urbanista” porque não havia entendido que ela o queria. Ela se queixa de não ter obtido resposta. Mas, ora, ela não perguntou nada, por que eu teria que responder alguma coisa? Cris Moura quer a palavra? Então, a palavra é de Cris Moura. Qualquer problema no entendimento da missiva deve ser creditado ao estilo da missivista, que continuará sendo mantido:

          “É fácil criticar o trabalho alheio sem ter embasamento para tal. (...) Todos estão ali por mérito de seus trabalhos, não há nenhum incompetente, é que damos as notas. Lembro ainda que o desfile é comparativo, ganha o que melhor interpretar as regras e o que menos apresentar defeitos na Avenida. O que todos queremos é: inovação, criatividade, acabamento, riqueza de informações visuais e detalhes, ousadia, e acima de tudo, que tudo isto funcione de forma sincronisada e perfeita, para que possamos fazer o nosso carnaval ser um grande espetáculo.
          Desta forma não acredito que o carnaval carioca não esteja preparado para inovações, pelo contrário, estamos todos receptivos a ela, e muito menos acredito que a Tijuca tenha sido ‘garfada’.
          (...) Começarei pelo caso do elemento Fuscão Preto. Chamarei desta forma porque este não é uma alegoria, pela própria definição do carnavalesco é ‘uma instalação gigante composta por automóveis reais, recolhidos em ferro velho, uma escultura de arte contemporânea’, esta, talvez, já não pudesse ser avaliada, pois não somos críticos de arte, mas sim, julgadores de alegorias de carnaval. O carnavalesco pode cedê-la a um museu, é lá que se encontram as esculturas e obras de arte.
          No carro ‘Mamãe eu quero’, o tal da chupeta, digo que aquilo era um gigantesco brinquedo. Simpático, cumpria seu papel de andar pela avenida, mas não houve exploração do tema, ficou na básico, por isto sugeri a iluminação, mas cabe a criatividade do carnavalesco adornar sua alegoria.
          Já o carro dos ETs era um grando carrossel, ao invés de cavalinhos tínhamos bicicletas e cujos ciclitas usavam um vestuário sem criatividade, sem detalhes, faltou a fantasia, algo que nossa imaginação traz para a realidade sem obrigação de sermos fiel ao real. Seus ETs pulando poderiam ser crianças devidamente fantasiadas e que colocadas em braços mecânicos teriam movimento.
          (...) Está aí a justificativa para a perda do título da Tijuca. Talvez tenha faltado ao nosso carnavalesco Paulo Barros, que realmente inovou o carnaval há 2 anos atrás, a delicadeza de ler e absorver as críticas feitas anteriormente a ele. Toda e qualquer crítica só vem para o bem, é sinal que podemos crescer, melhorar, que podemos ser mais do que acreditamos ser. Mas para isto precisamos ser humildes para aceitar nossos erros e reavaliar nosas certezas. A Tijuca perdeu para ela mesma, esta é a pior dor.”

          Não sei, não, mas agora tenho certeza de que a Unidos da Tijuca foi injustiçada! E, pensando bem, acho que até as escolas mais bem classificadas do que a Unidos da Tijuca também foram injustiçadas. A Justiça é cega!

Artur Xexéo
(Publicado originalmente no jornal O Globo
em 15 de março de 2006)

 

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