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Caro Paulo Barros,
Quando criança, eu adorava os desfiles das escolas de samba: enquanto os amiguinhos iam aos bailes infantis (depois juvenis, depois adultos), eu gostava de ficar assistindo em casa o Sambódromo ao vivo, anotando notas imaginárias, acompanhando as apurações. Portelense, é natural que eu tenha me desencantado com o espetáculo da Sapucaí nos anos 90, especialmente na segunda metade, época da decadência (não sem pelo menos duas injustiças enormes) da minha escola, e do apogeu do "desfile de resultados" – especialmente a partir do tricampeonato da Imperatriz.
Larguei totalmente de mão os desfiles, e até fui parar em Olinda em 2004. Neste mesmo ano, vi apenas os melhores momentos da sua estréia na Unidos da Tijuca, e vi ali algo que me remeteu à paixão da infância. Ano passado assisti maravilhado ao desfile completo da Tijuca, e acompanhei de novo apaixonado (como nos tempos de portelense doente) a apuração, terminando arrasado pelo 0,1 ponto cruel que tirou o título de vocês.
Este ano, fui mais radical: só queria mesmo assistir a Tijuca. Acabei vendo várias outras (cochilando em muitas), mas fiz questão mesmo foi de estar acordado às 3h30 de terça, acesíssimo, para ver a Tijuca passar. E que magia foi aquele desfile... Chorei (de verdade) com o abre-alas, delirei com a comissão de frente (absolutamente complementar à escola, e não como estas apresentações de teatro e dança que agora descem a avenida, cada vez mais distanciadas do resto do desfile), gargalhei com o humor arrebatador das alas (que me remeteram ao prazer infantil de ver a Caprichosos dos anos 80), com a complementaridade das fantasias masculinas e femininas, com os carros alegóricos que só usam luz quando faz sentido (faróis dos fuscas) e que causam "oooohs" da platéia a cada novidade.
Um desfile humano, tão absurdamente humano. Fechado, claro, com a homenagem aos carnavais de antigamente, com a decoração das ruas do Centro (cancelada este ano, "por falta de patrocínio"), e com a inteligência sutil do Mozart-DJ, sempre para inveja dos Salieri de plantão. Este desfile ratificou para mim, Paulo Barros, que, num país onde carnaval é coisa séria, você hoje não é só o maior carnavalesco das escolas de samba do Rio: é o mais importante e representativo artista brasileiro em atividade – em qualquer uma das sete artes.
Por isso mesmo é que a apuração parecia tão desimportante: seu espetáculo está dado, seu objetivo cumprido. Quem faz magia e arte como você fez não precisa dos décimos de ninguém para validar sua existência. Imagine, Paulo, os Godards e Glaubers, os Zé Celsos e Antunes, os Villa-Lobos e Jobins precisando saber se sua direção de arte é nota 10 ou 9,8; se sua cenografia é nota 9,3 ou 9,4; se suas melodias são nota 9,7 ou 9,9... Não nos enganemos: não foi uma nota baixa de um chapéu caído de porta-bandeira, nem um atraso na concentração que injustiçou você: foi tudo aquilo de assustador que a Tijuca representa no "Império da Mesmice". Alas em homenagem ao Village People? Alegorias de ETs e fuscas?? Não, não, não, dizem os "doutores do samba", isso não pode. Alegria, criatividade, originalidade? Não, estes quesitos não existem. "Melhor escola", "maravilhamento" ou "emoção", também não. É só: "fantasias, nota 9,3; alegorias nota 9,7" – nas entrelinhas: "Quem este Paulo Barros pensa que é?"
Deixa estar, Paulo. Num mundo onde o sucesso é medido pelo acesso a currais-VIPs, pelos números do Ibope e pela quantidade de Oscars e Grammys ganhos, você está fadado ao fracasso. E não tem nada de errado com isso. Temos que nos consolar com a diversão de ver a "escola-curral VIP" perder o título empatada em primeiro, porque seu gigantismo a atrasou um minuto. E perdeu pra quem? Para Joãozinho Trinta, de volta como "consultor". Deixa a Vila festejar, Paulo, eles merecem, já sofreram muito até no Grupo de Acesso. Para você e a Tijuca, só um prêmio: a eternidade. |