Carnaval da Globo: Samba climatizado

 

          Este ano a mesmice ficou de fora da Sapucaí. A maior novidade no desfile das escolas de samba do Rio foi a bolha climatizada e asséptica da TV Globo, um cilindro com viés em néon azul plantado no coco dos camarotes. Eventualmente era permitido ao público ver alguns movimentos dos robôs, ops, dos apresentadores lá dentro.
          Nesta bolha 2001 não houve lugar para Fernando Pamplona, Paulo Stein ou José Carlos Rego, aqueles comentaristas da saudosa TV Manchete que sabiam – e sabem – tudo de samba, mas terminavam o desfile completamente bêbados. Ganharam crachá para a bolha azul Ricardo Cravo Albim e Haroldo Costa, gentlemen do samba que também comentavam as transmissões da Manchete – mas chegavam sóbrios ao fim do desfile.
          O toque rebelde coube a Ivo Meireles, folclórico mangueirense de cabelos oxigenados como os do Dinei do Corinthians. Além de opiniões definitivas sobre bateria, harmonia, enredo, comissão de frente, mestre-sala/porta-bandeira e ala das baianas de cada escola, ele emoldurava as imagens eróticas que pontuaram toda a transmissão da Globo com expressões como "tchutchuca!", "tchutchuquinha" e por aí vai. O simpático apresentador Cléber Machado, locutor esportivo, segurava como podia o machismo do rapaz. Devia estar previsto, a Globo não dá tiro n'água.
          Mas isso nem atrapalhou muito – calem-se, feministas!
          Pior foi a Globo impor ao telespectador durante os dois dias de desfile todo o lixo de sua programação normal. Tinha uma coisa chamada Luciano Huck, um treco chamado Zorra Total, uns ridículos efeitos especiais – negamaluca, reimomo, arlequim, um-açúcar-que-samba, um-chope-que-pensa... indescritível! – que picotavam a transmissão e impediam a compreensão do enredo das escolas. Além disso, os câmeras jamais acompanhavam o que os apresentadores comentavam. Quando mostravam um detalhe, com créditos e tudo, Glória Maria repetia o que estava escrito, como se falasse a cegos. Os detalhes dos carros alegóricos não eram mostrados. O exemplo mais escandaloso foi no desfile do Salgueiro, sobre o Pantanal. Os comentaristas repetiam sem parar que tantos mil litros de água foram usados em tal carro, mas ninguém viu pela TV o resultado. O máximo que os câmeras mostravam era uma tchutchuca tomando banho num baldinho.
          Sinceramente, nunca se viu a Sapucaí tão mal filmada.
          Mas, para os néon-climatizados, o grande momento do desfile, a inovação do novo milênio, a última revolução de Joãozinho Trinta foi o "astronauta da Nasa" voando sobre o Sambódromo, propulsionado a hidrogênio. Tudo bem, foi realmente incrível, surpreendente, espetacular. Mas o que tinha com o carnaval? Nenhum comentarista ousou dizer que o rei estava nu, que o show seria perfeito complementando uma exibição da Esquadrilha da Fumaça ou sei lá o quê. O cara não tinha sequer uma purpurina na roupinha! Eu, hein... Para usar a expressão da moda no Rio, fala sério!
          Albino Pinheiro, o mestre do carnaval carioca, falecido, deve estar dando voltas no túmulo. Aliás, que nem Nelson Rodrigues. O debochado dramaturgo foi enredo da Unidos da Tijuca. Que jogou no carro do futebol – razão da vida dele – bandeiras de todos os times. Logo no carro de futebol do Nelson Rodrigues, Fluminense fanático. Ricardo Cravo Albim ensaiou um tímido protesto: "Não podia ter bandeira de outro time... Faltou uma ala do Fluminense..."
Neste carnaval, os cemitérios estão em polvorosa.

Marinilda Carvalho
(Publicado originalmente no Observatório da Imprensa em 02/03/2006)

 

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