G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro
A cana que aqui se planta tudo dá, até energia... Álcool, o combustível do futuro

 

O Enredo no Samba: Estrutura discursiva

          O Salgueiro faz uma exaltação ao país apresentando o percurso histórico do álcool como fonte de energia a partir da literatura informativa no Brasil-Colônia, tendo como ponto de partida a Carta de Pero Vaz de Caminha.
          A acertada opção por enredo de cunho histórico-didático resultou em um samba bastante poético, repleto de belíssimas imagens, conseqüência da inspiração de compositores letrados que souberam textualizar o enredo em versos com perfeição.

O Samba no Enredo: Estrutura lingüística

          O vocabulário pomposo e as construções frasais revelam que os autores do samba manejam bem as nuances da língua portuguesa e suas regras. Há palavras rebuscadas que permeiam toda a letra (cultivo, nativo, fartura, germinar, destronar, alvorecer) e a linguagem formal, representada pelo correto emprego da crase (“Que dava fim à liberdade do nativo”) e pela exata colocação pronominal (vê-lo), os quais imprimem qualidade textual ao samba.
          Além disso, a composição apresenta divisão melódica bem definida:

  • “Terra de fartura / coberta de cana”

  • “Negro, / do açúcar mascavo”

  • “Verde Eldorado, / o encanto ‘deste lado'”

  • “Solo fértil / pro meu samba germinar”

  • “Pelo tempo, / adoçou a economia”

  • “O álcool, / o progresso movia”

  • “E mesmo / sem destronar o ouro negro”

  • “Sonho / vê-lo, enfim, em seu reinado”

  • “Conquistando o ‘espaço', / infinito alvorecer”

  • “A cana que aqui se planta, / tudo dá”

  • “O combustível do futuro / é brasileiro”

          São essas pausas que marcam a cadência, a malemolência deste belíssimo samba-enredo.
          Dentre as figuras literárias presentes na composição, destacamos a criativa antítese (idéias contrárias) inserida na representativa metáfora das raças (linguagem figurada) e dos tipos de açúcar (linguagem real):

  • Negro, do açúcar mascavo

  • Branco toque refinado

  • Da cobiça holandesa”

          inversões vocabulares para enfatizar certos elementos do enredo e para formar rima:

  • “Veio da Índia inspiração para o cultivo”   =  inspiração para o cultivo veio da Índia

  • “Pelo tempo, adoçou a economia”   =  adoçou a economia pelo tempo.

  • “Com a evolução ganhou outro sabor”     =  ganhou outro sabor com a evolução

  • “O álcool, o progresso movia”    =   o álcool movia o progresso

  • “Dá samba até o dia clarear”   =  Dá samba até clarear o dia

          E ainda a antonomásia, isto é, a substituição do nome  por uma expressão que o identifica facilmente:

  • “Que dava fim à liberdade do nativo”  =  em vez de índio

  • “E mesmo sem destronar o ouro negro” = em vez de petróleo

          O refrão principal é marcado pela intertextualidade, em que se faz alusão a outros textos conhecidos por intermédio de paráfrases, isto é, citação livre de textos de outrem:

  •  “A cana que aqui se planta, tudo dá” = referência à Carta de Caminha, descrevendo a natureza brasileira”

  • “O combustível do futuro é brasileiro” = referência à propaganda político-ideológica dos anos 70: “Brasil, o país do futuro”

          O tom de louvação do texto está no uso intensivo de qualificadores:

  • “Terra de fartura coberta de cana

  • Branco toque refinado

  • “Da cobiça holandesa

  • Verde Eldorado, o encanto ‘deste lado'”

  • “Solo fértil pro meu samba germinar”

  • “Meio ambiente preservado

  • “O combustível do futuro é brasileiro

          Outra característica marcante está na perfeição do emprego dos tempos verbais. Os compositores  mostram aqui também o domínio sobre a língua ao utilizarem o pretérito imperfeito (dava, movia), o gerúndio (descrevendo, conquistando) e o infinitivo (germinar, destronar, clarear) com intenção expressiva, tornando o samba virtuoso enquanto tipologia textual e composição musical.

Bibliografia:

  1. “Enredos – Rio Carnaval 2004” , da LIESA.
  2. “Para Tudo Não Se Acabar Na Quarta-Feira – A Linguagem do Samba-Enredo” – Julio Cesar Farias

Julio Cesar Farias
(Publicado em 10/01/2004)

 

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