A Cesar o que é de Cesar
 
          Para quem gosta de carnaval, a política excludente da LIESA causa, além de revolta, um melancólico sentimento de impotência. O que fazer? Podemos até usar a linguagem comercial, que a entidade tenta dominar, para mostrar que, ao valorizar o público local, pode se conseguir mais dinheiro com freqüência na quadra, venda de CDs, de fantasias e etc. Mas como convencê-los do óbvio? Calma! Antes de jogar o seu teclado pela janela, ou dar cambalhotas com suas cadeiras giratórias, saiba que existe uma forma de reagir. Se a LIESA parece não ter nada a perder com as críticas, o mesmo não se pode dizer de sua atual "parceira": a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.
           Reduzir o número de escolas dos grupos de acesso pode até ser uma idéia válida, mas, certamente, esta conclusão deve surgir de um amplo debate que envolva todos os interessados, incluindo, por que não, a sociedade carioca. Nunca, é importante frisar, esta decisão pode ser resultado de uma imposição unilateral de uma entidade, referendada por uma prefeitura que, por interesses políticos, cumpre a risca todas as suas determinações em detrimento dos interesses da população.
          A prefeitura deve atender aos interesses de quem? Da LIESA ou da população carioca? Mais do que nunca esta pergunta é relevante, pois nos últimos anos esses interesses estão sendo, na maioria das vezes, conflitantes. O debate, a pluralidade de idéias, a troca de opiniões, tudo isso é sempre bastante salutar, mas, infelizmente, isso sempre amedrontou aqueles que dirigem as principais escolas de samba, principalmente agora, que contam com o apoio incondicional de "sua" prefeitura.
            Se a LIESA foge do debate, de certa forma isso é um problema dela, pois, apesar do desfile de escola de samba ser um patrimônio público, esta entidade é privada e luta pelos seus interesses. Mas, em se tratando da prefeitura do Rio de Janeiro, o "buraco é mais embaixo", como diz o linguajar popular. Diferente da LIESA, o prefeito foi eleito pela população para atender os interesses da coletividade. Uma gestão democrática não é um favor, e sim uma obrigação constitucional que, se não cumprida, pode, e deve, ser questionada.
            Também diferente da LIESA, o atual grupo que administra a prefeitura, para se manter no poder, precisa do aval da população. Se prestarão contas por eventuais falhas cometidas na gestão de setores como educação, saúde
e transporte, é bom estarem cientes que as aberrações na condução do carnaval, nossa maior festa popular, também serão questionadas. Se a prefeitura resolve ignorar os interesses da população e, assim como a LIESA, procura fugir do debate democrático, é bom eles estarem cientes que não estão imunes. Em poucas palavras, terão que arcar com o "ônus político".
            Em nossa democracia, "ônus político" é uma expressão que nossos políticos conhecem muito bem. O ideal democrático de "governo do povo, pelo povo e para o povo" é muito bonito, mas, pelo menos no Brasil, só funciona quando o "ônus político" surge como um fantasma para "impulsionar a boa vontade" dos nossos dirigentes, que têm na urna sua principal prestação de contas. É bom que a prefeitura saiba que tem muita gente revoltada com essa postura submissa, e que isso será cobrado na hora exata.
             O nome dele é CESAR MAIA, não esqueçam. O mesmo CESAR MAIA que tinha prometido o desfile do Grupo B na sexta, mas que, uma vez eleito, voltou atrás. O mesmo CESAR MAIA que agora, atendendo os interesses da LIESA, impõe de forma anti-democrática determinações sobre o desfile da AESCRJ, exigindo a redução do número de escolas. Certamente, o senhor CESAR MAIA deve achar que faz um favor pagando subvenção para as escolas do grupo de acesso. O que o senhor CESAR MAIA deveria saber é que a população que o elegeu tem interesse nestes desfiles, e que, se este evento é de interesse público, é obrigação da prefeitura incentivar e subvencionar.
             Será que o prefeito também acha um favor ajudar os teatros do eixo Centro-Zona Sul? Será que ele impõe a redução do número de atores ou peças apresentadas? Nada contra o teatro, muito pelo contrário, apenas quero chamar atenção para o fato de que a concepção de cultura desta Prefeitura é a visão da elite, da qual seus membros são oriundos. Projetos como as "Lonas culturais" são válidos, sem dúvida, mas, observando atentamente, ele consiste em levar a concepção de cultura "consumida" pela elite para toda a cidade. Antes da democratização da cultura, é mais efetivamente a democratização dos valores culturais da elite, que certamente são importantes, mas não são os únicos.
              A secretaria DAS culturas, apesar de ter seu nome no plural, sempre ignorou a importância da cultura popular. O samba, as escolas de samba de uma forma geral, sempre foi visto como algo menor, numa visão corrente
entre as elites. Para eles, as escolas de samba serão sempre atrações exóticas, e são respeitadas apenas quando, ao atrair turistas, podem gerar lucro para a rede hoteleira. Parece ser este o único papel das escolas de samba para
a atual administração da cidade do Rio de Janeiro. Visto desta forma, podemos compreender porque a LIESA goza de todo apoio de nossos dirigentes políticos, pois ela cumpre exatamente esta função.
              Como não enxergam a importância das escolas de samba para a cultura, a memória e a história da cidade do Rio de Janeiro, desprezando o interesse dos cariocas, tem-se a idéia de que é um favor ajudar financeiramente desfiles que não atraem turistas, apesar de toda demagogia do atual prefeito nos sábados de carnaval. Porém, se os turistas da LIESA trazem dinheiro para o município, eles não votam. Quem vai julgar a atitude do prefeito nas urnas é o pessoal de Santa Cruz, de Jacarepaguá, do Santo Cristo, da Ilha do Governador, do Engenho de Dentro, do São Carlos e de outras comunidades com grande número de eleitores, incluindo as bases das escolas do grupo B, que são também prejudicadas direta e indiretamente pelas ações unilaterais da dupla LIESA / Prefeitura. E é esta linguajem política, que nossos dirigentes tanto temem, que pode reverter este quadro. Não adianta discutirmos a importância cultural das escolas de samba para pessoas que, por formação, possuem outros princípios estéticos que orientam seus julgamentos. Somente a consciência que isso pode trazer algum prejuízo político pode fazer nosso alcaide agir.
               Portanto, "a Cesar o que é de Cesar", ou seja, o "ônus político" de seus atos e atitudes.

Fábio Pavão
(Publicado originalmente na Lista Planeta Samba em 20 de julho de 2005)

 

Artigos