A mais querida das rosas de Cartola

            Durante a campanha presidencial, no ano passado, em busca de eleitores indecisos ilustres para entrevistar, o repórter bateu à porta da casa da ex--lavadeira Euzébia Silva de Oliveira, a dona Zica da Mangueira. O clima da casa era de festa. Nessa noite seria comemorado o aniversário de sua filha Regina. Depois da entrevista, o repórter avisou que voltaria na véspera do dia 6 de fevereiro para gravar um depoimento sobre os 90 anos que completaria daqui a 14 dias.
          - Será que estarei viva até lá? — perguntou.
          Para quem estava cuidando dos preparativos da festa de sua filha de 70 anos, a resposta não tinha sentido, como a pergunta. Dona Zica estava animada. Mostrou sua casa e o jardim “As rosas não falam”, onde cultivava suas plantas e brincava com seu papagaio. E contou a origem de uma das composições mais conhecidas do marido Agenor de Oliveira, o Cartola.
          - Um dia, ele estava cuidando de sua roseira e eu disse: “Você tem mãos boas. Você plantou essa roseira e ela está dando tantas rosas. Por que será?” E ele respondeu: “Sei lá, as rosas não falam”.
          Uma semana depois, o compositor apresenta-lhe a música e dona Zica reage:
          - Que história é essa de “simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti'? Perfume de quem? Tem outra mulher nessa coisa”.
          - Sua boba! Quem é que estava ao meu lado quando eu disse que as rosas não falam? — foi a resposta de Cartola.
          Ao se despedir de Dona Zica, depois de ouvir essa história, o repórter é surpreendido com um convite:
          - Venha para o aniversário de minha filha e a gente aproveita para fazer esse depoimento. Vai que eu morro?
          Combinou-se que o depoimento seria gravado no dia seguinte, 15 de agosto. E, por pura superstição do repórter, só seria degravado cinco meses depois, às vésperas do seu aniversário.
          Infelizmente, a fita com o depoimento de Dona Zica sobre os 90 anos que ela não chegou a completar teve de ser degravada ontem.

Jorge Bastos Moreno
(Publicado originalmente em 22 de janeiro de 2003)

 

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