Por um Mundo Melhor
Escola Faz a Convocação:
Vamos salgueirar a humanidade

 
          Transformar o desfile numa grande corrente de energia positiva. Esta foi a  missão que os carnavalescos Renato Lage e Lílian Rabelo se impuseram para o  carnaval do Salgueiro em 1987, ao idealizarem o enredo E Por Que Não? Sem  qualquer compromisso cronológico, a proposta do Salgueiro era alcançar o  inconsciente coletivo, revelando o ímpeto humano de superar barreiras antes  intransponíveis. Um enredo diferente para uma escola diferente, que foi à  luta atrás da sua oitava vitória.
          Outro tema sugerido pelos carnavalescos foi Chiclete com Banana, que  tratava da mistura de culturas no Brasil. Mas E Por Que Não? caiu no gosto  da diretoria da escola, até mesmo pela pergunta que todos os salgueirenses  se faziam após 12 anos sem título: E Por Que Não ver o Salgueiro novamente  campeão? O espírito questionador e a proposta inovadora do tema bateram na  veia da escola, que resolveu investir no luxo para figurar novamente entre  grandes.
          A energia positiva inspirou os compositores da escola. A final de  samba-enredo transformou a quadra do Salgueiro numa grande festa. Após 10  fases eliminatórias, três composições foram selecionadas para embalar a  massa salgueirense: a primeira, formada pelos veteranos Demá Chagas e Zé Di,  que puxou o samba com muita vibração. O segundo samba foi composto pelos  estreantes Gilberto Tobias e Jorginho da Cadeira (que também era aderecista  da escola); a terceira composição era formada por Cézar Veneno, Demá Chagas,  Bala e Didi.
          A multidão que lotava a quadra, tomada de expectativa e alegria, com direito  a chuva de papéis picados e serpentina, aclamou o terceiro samba como a  trilha que iria embalar a esperança da escola de sair do jejum de títulos.  Anunciado o resultado, até mesmo os derrotados aplaudiram o samba vencedor.  A festa só não foi completa porque um dos parceiros do samba, Didi - o  advogado Gustavo Baeta Neves - havia sido internado com pneumonia, cuja  gravidade aumentava à medida em que se aproximava a decisão.
          Paralelo à escolha do samba, os trabalhos no barracão e no ateliê estavam a  todo o vapor. A confecção das 1.600 fantasias - entre elas baianas, bateria  e crianças - teve a supervisão do português Rui Teixeira. Renato Lage e  Lílian Rabelo tocavam o barracão com a ajuda do ferreiro Tourinho, um dos  melhores profissionais da área. Ele havia dado a sugestão de construir a  estrutura dos carros sobre rodinhas, como já havia feito em trabalhos  anteriores em outras escolas. A sofisticada decoração dos carros com  espelhos e muitos efeitos especiais ajudava a criar as formas que o enredo  pedia.
          A retirada das alegorias do barracão, porém, revelou que a idéia de Tourinho  não tinha sido a mais adequada para acompanhar as estruturas dos carros.  Alguns tiveram problemas já durante o percurso até a Marquês de Sapucaí,  como o carro da Luz, um dos mais belos da escola. A alegoria, que não chegou  a entrar no desfile, trazia a forma de um candelabro com sete lumes, todos  em branco e lilás, com adereços feitos com badejas, fruteiras e jarras de  plástico com apliques de vidrilho. O terceiro carro, a Nave Espacial, bateu  numa das caixas de som da concentração e precisou ser reparado às pressas.  Dificuldades a parte, o Salgueiro, quinta escola a desfilar no domingo de  carnaval, brilhou na avenida com os seus 3.500 componentes. As idéias de  Renato Lage e Lílian se desdobravam com grande clareza, não só pela mensagem  de otimismo,  como também pela beleza plástica irretocável. O carro  abre-alas representava o próprio Salgueiro, trazendo Júlio Machado (o Xangô  do Salgueiro), Isabel Valença e Paula em meio a máscaras, pompons e  elementos carnavalescos.
          Descortinaram-se então as três fases do enredo: o passado, quando a lenda  se torna ficção e nesta ficção o ser evolui cosmicamente, atingindo outra  dimensão; o presente, quando o homem usa a tecnologia e cria a máquina das  transformação das nossas utopias em realidade; e o futuro, quando a luz   maior brilha e muda o curso da evolução.
          As fantasias privilegiaram os adereços de cabeça, muito bem trabalhadas e  com uma belíssima definição cromática. As alegorias Pré-Futura-História,  Pirâmides Energéticas, Vírus da Saúde, Polvo no Poder e Usinas Harmônicas  causaram um grande impacto na avenida. Outro ponto alto foram as 200  baianas, que representaram a "Força da Transformação" com muita garra e  belas evoluções.
          Apesar dos bons momentos na avenida, ainda não foi dessa vez que o  Salgueiro alcançou o almejado campeonato. Ficou em 5º lugar, empatado com a  Unidos de Vila Isabel e atrás da Estácio de Sá e Beija-Flor (4º lugar),  Portela e Império Serrano (3º lugar), Mocidade Independente de Padre Miguel  (vice-campeã) e a grande vencedora Estação Primeira de Mangueira. Se o  primeiro lugar não chegou em 87, a proposta do enredo de mudar o curso da  evolução da humanidade ficou na imaginação dos que acreditam num mundo  melhor. E por que não?

Gustavo Melo
(Publicado originalmente na lista Planeta Samba em 2004)

 

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