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Amanhã, na beirinha do Carnaval, faz anos o fenômeno Zeca Pagodinho. A
sua vinda ao mundo, há 46 anos, tinha de ser perto do Carnaval. Apesar
de que ele é mais triste que alegre. O fenômeno de comunicação do Jessé
Gomes da Silva sempre me impressionou. Ele não tem voz especialmente bonita.
Não faz o gênero galã. Não usa nenhuma das manhas inerentes a certos astros,
no sentido de sair por aí a cortejar o agrado fácil (mesmo quando o homenageiam),
é todo introvertido e, no entanto, consegue um lugar muito bonito e significativo
de resistência cultural na música popular brasileira. A citar ainda que
seu canto é direto, sem vibratos e belezas formais, enfeites etc. Ele
vai no osso da canção.
Talvez seja essa inteireza de
caráter o que inconscientemente impressiona as pessoas. Simboliza o indivíduo
comum, o homem do povo, não reverente aos poderosos nem à classe dominante.
Esse elemento é fundamental em sua aceitação. Não se pode esquecer, além
disso, a sua sabedoria na escolha do repertório (ótimos compositores)
e um acento de tristeza natural, que não é patente, mas lateja em seu
modo até meio rouco de cantar.
Muito se confunde a figura do
bom malandro com a do sambista de verdade. Todo bom sambista tem que ter
malandragem e ginga. Porém não precisa ser malandro. Vejamos: Bezerra
da Silva, Dicró, Moreira da Silva, Jorge Veiga caminharam pelo samba como
expressão do malandro boa gente. Já os sambistas em estado puro são outros:
o grande João Nogueira, que a meu ver foi e é o sucessor de Cyro Monteiro;
o Roberto Silva, o Martinho da Vila, o Nei Lopes, o Roberto Ribeiro, o
Jorge Aragão, o Zé Kéti, o Elton Medeiros, o Paulinho da Viola, o Noca
da Portela, o Arlindo Cruz, o Monarco, o Wilson das Neves, o Walter Alafaiate,
os Ataulfo Alves – pai e filho, e tantos mais que injustamente estou deixando
de citar. Claro que lhes não falta a ginga da malandragem, se necessária,
mas o centro da obra e da expressão de cada um é diferente. Todo
malandro se expressa pelo samba, mas nem todo sambista se expressa pela
malandragem. Claro?
Zeca Pagodinho é um sambista.
Representa o honrado subúrbio carioca. Está no trem da central, no baile
de clube, no bar da esquina, apertado dentro de um ônibus, no Maracanã,
carrega marmita, namora no portão e come sanduíche de mortadela; adora
uma cerveja, com a qual, aliás, precisa tomar cuidado e deixar de fazer-lhe
a propaganda, por mais bem pago seja. O Brasil tem doze milhões de alcoólatras,
e essas fábricas de cerveja se utilizam da publicidade para “fisgar” os
jovens e assim garantir a clientela futura, sempre crescente. Mas isso
é outro assunto.
Salve o Zeca Pagodinho: ele
é a representação do talento inato e verdadeiro do povo do Brasil. É um
desses zagueiros que jogam duro, mas na bola. Sem alarde nem chinfra,
ele manda na área. Parabéns por amanhã.
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