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Acabo
de ler no Globo uma notícia tristíssima. Faleceu ontem
de madrugada, uma das pessoas mais importantes do mundo do samba e uma
de minhas mais caras amigas: Lena Frias.
Quem é
mais novo talvez não se lembre, ou não tenha a dimensão,
do valor dessa pessoa tão querida de tanta gente. Lena, foi uma
das mais atuantes jornalistas de cultura de nossa imprensa. Suas matérias
e reportagens sempre lançaram um olhar carinhoso sobre as múltiplas
expressões da cultura popular de nosso país e de nossa
cidade, com grande destaque para o samba em suas diversas formas. Lena
descobria compositores esquecidos e visitava os centros da produção
cultural carioca onde quer que eles estivessem localizados, seja nas
ruas da Zona Sul, seja nas favelas. Freqüentava pagodes, folias
de reis, congadas e qualquer outro espaço onde gente do nosso
povo estivesse reunida para criar nossa identidade. Escrevia brilhantemente,
com um estilo muito próprio, que associava sua vastíssima
cultura ao falar do nosso povo. Mulher ativa, trabalhadora, batalhadora,
ainda encontrava tempo para cozinhar para os amigos que se reuniam em
torno de panelões de feijoada, ou de cozido, em seu lindo apartamento
em Vila Isabel, pertinho de sua querida Mangueira, com vista para a
Zona Norte desse nosso Rio de Janeiro que ela compreendeu e amou como
poucos. Como se isso não bastasse, era uma mulher linda. Em sua
juventude dizia-se que era "de fechar o comércio",
qualificação da qual se orgulhava muito,conforme me confessou
um dia, às gargalhadas. Lena nos deixa seu filho - que criou
com a maior dedicação e que descrevia sempre com um orgulho
justificado que nos emocionava - e sua vasta obra escrita que merece
ser estudada com muita profundidade. Tive o prazer e a alegria de poder
conviver com Lena e freqüentar sua casa nos últimos anos.
Gostaria que ela ainda estivesse por aqui pra podermos marcar uma feijoada
a mais, antes que ela se fosse. Mas fica pra depois, Lena. Minha tristeza
é muito grande nesse momento. Só comparada com meu orgulho
de poder ter sido seu amigo e de ter convivido com você em tantos
momentos.
Perde muito
nossa cultura. Todas as bandeiras das escolas, dos divinos, dos congos,
dos blocos, das bandas, deveriam estar a meio pau para saudar a partida
dessa grande carioca, dessa sambista, dessa criatura que agora só
vive em nossas memórias.
Ai vai uma
(linda) declaração da Lena, publicada no Globo de hoje:
"Meu
compromisso é com tudo aquilo que revela e exprime as matrizes
da nossa identidade, da nossa verdade e da nossa integridade de
brasileiros. Por isso, escrevo com tanta paixão sobre o cantador
Azulão da Feira de São Cristóvão, sobre
Patativa de Assaré, Ariano Suassuna e Antônio Nóbrega.
Sobre Gilberto Freyre e Câmara Cascudo. Sobre superstições
e lendas do nosso fabulário. Sobre cordel e grial, batucadas
e batuques, músicas e sons. Sobre as raízes pré-ibéricas
do boi amazônico, os mistérios caboclos dos caruanas
(...) ou qualquer outra expressão ou manifestação
desse amplo espectro que me explica e nos explica. Foi a missão
que recebi de Deus".
Fique em Deus, Lena, e nos ajude a continuar cumprindo sua missão
por aqui! |
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Felipe
Ferreira
(Felipe Ferreira é doutor em Geografia Cultural, professor de Folclore
e Cultura Popular no Instituto de Artes da UERJ, jornalista, pesquisador
de carnaval e tem muito orgulho de ser amigo de Lena Frias)
Publicado originalmente na Lista de discussão Rio-Carnaval em 13 de maio
de 2004
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