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Zé
Kétti foi o protótipo do compositor popular a expressar com precisão a
força da sensibilidade de ancestrais nobrezas africanas, tornadas paupérrimas
nos países que receberam escravos, covardia histórica cujo único bem foi
indireto e oriundo de tanta dor: temperar de cor, amor e sensibilidade
países como o Brasil e outros que seriam brancos azedos e tristonhos,
não fosse o negro a caldear-lhes o sangue e a cultura.
Zé Kétti de A Voz do Morro, Opinião, Diz que Fui por Aí, Acender as Velas
e Máscara Negra. Zé Kétti do show Roda de Samba, que na resistência cultural
lançou o conjunto A Voz do Morro (ainda me lembro do Paulinho da Viola
mocinho a integrá-lo).
Zé Kétti pobre, honrado, da Portela, do talento natural; Zé Kétti que
penetrou escondido da polícia na Embaixada da Bolívia em 1964 para cantar
e alegrar, além de despedir-se de um grupo de brasileiros que, no dia
seguinte, embarcaria para o exílio, grupo de sonhadores do socialismo
entre os quais, emocionado e cada vez a amar mais o seu País estava eu,
aos 28 anos, sendo obrigado a deixar o Brasil com uma energia que por
alguns anos dei à Universidade do Chile, para onde fui depois da Bolívia.
Conto-lhes um pouco mais: A embaixada boliviana era na Avenida Rui Barbosa,
tinha duas salas grandes e três quartos. Nesse espaço, viveram 28 pessoas,
mais de 40 dias. Como havia duas mulheres que dormiam num quarto, os demais
26 dormiam nos dois quartos restantes e numa das salas. Foram generosos
os diplomatas bolivianos deixando entrar tanta gente em tão pouco espaço.
A sala sobrante tinha uma grande mesa de jantar. Nela, estavam os asilados
quando, na véspera da partida para o exílio, à noite, apareceu Zé Kétti.
"Olha, eu nunca vi brasileiro tendo que ir embora do Brasil. Eu vim
me despedir do meu amigo Joel, mas chegando aqui me deu um troço e eu
quero cantar pra vocês levarem um pouco do Brasil com vocês''.
E ali, naquela noite, perdida dos registros e da história, acompanhado
apenas pelo som de caixa de fósforos e um ou dois bons batuqueiros fazendo
o surdo na grande mesa da embaixada boliviana, Zé Kétti começou uma cantoria
de despedida.
Todos cantamos com ele.Com lágrimas que falavam da antecipada saudade,
aquele grupo de pessoas indefesas diante do desconhecido recebeu presença,
calor humano, consideração e arte de um cantor popular que foi visitar
um amigo e sentiu um impulso de cantar para todos, no talvez mais anônimo
e mais intensamente sentido e recebido show de sua vida.
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