Evoluir ou Emocionar?

 

          Talvez "evoluir" seja perder cada vez mais o interesse, ter cada vez menos público interessado em assistir os desfiles,  vender cada vez menos CDs, dar cada vez menos audiência e etc.
          O carnaval perdeu popularidade nos últimos anos. Isso é um fato irrefutável.
          Não me interessa se a Liga mostra estatísticas dizendo que a cada ano chegam mais turistas e que todos os ingressos são vendidos. O Turista não é a base de uma escola de samba, é apenas um lucro imediato.  A base que sustenta uma escola é o seu povo ( o termo comunidade é contraditório e de várias interpretações). Sustenta o ano inteiro com seu trabalho, freqüentando ensaios, desfilando em alas importantes, comprando CDs e etc.
          Há muito tempo, essas pessoas estão sendo alijadas do ápice do espetáculo. São alijadas em detrimento do lucro imediato dos turistas. O resultado é que, apesar dos turistas continuarem chegando, as escolas perderam interessem aqui dentro. Tentem lembrar o espaço que as escolas tinham na mídia há 10 ou 15 anos atrás....E o  que sobra para elas hoje....Claro, a mídia existe para essas pessoas que vivem o dia a dia das escolas de samba, e não para o turista que chega apenas no dia de carnaval. Esse público, "consumidor do produto escola de samba" durante o ano inteiro, diminui sensivelmente.
          Nos últimos anos, as escolas de samba perderam espaço para o carnaval de outras partes do Brasil, especialmente para o carnaval da Bahia e para seus "filhotes" da região dos lagos.
          Tanto em um como em outro existem  elementos que escolas de samba estão perdendo há muito tempo: CALOR HUMANO, PARTICIPAÇÃO, INTERAÇÃO COM O ESPETÁCULO. Por mais que você esteja sem o Abadá e do lado de fora da corda, você pode sacudir os braços junto com o trio elétrico e etc.
          Podemos contestar a qualidade do "espetáculo" e o mal gosto das pessoas que estão ali, mas não o fato de que existe CALOR HUMANO e INTERAÇÃO.
          Ao contrário, nos últimos anos, as escolas de samba investem sistematicamente no espetáculo visual. A grande particularidade que diferencia o carnaval carioca de outros eventos de projeção internacional é o calor humano. Alegoria por alegoria, uma parada da Disney tem carros muito mais bonitos e com muito mais efeitos especiais que uma alegoria de escola de samba. Se o turista sai de seu país para vir até aqui é por causa do calor humano, do gingado da passista, da alegria do povo brasileiro e etc.
          Contraditoriamente, as escolas de samba se voltam para os turistas, mas deixam de lado o maior motivo deles virem para cá. Em outras palavras: SEM O CALOR HUMANO DO CARIOCA, NÃO EXISTIRÁ TURISTAS PARA PAGAR INGRESSOS.
          "Evoluir". Muitas pessoas acham que toda "evolução" não deve ser questionada. O caminho está dado é só é possível seguir para frente. Ora, se você está caminhando rumo a um abismo, você não fecha os olhos e caminha até a queda inevitável. Você pára, percebe o erro, e procura corrigir esse caminho. Se o rumo que as escolas de samba estão seguindo está errado, é preciso, enquanto é tempo, parar, perceber onde está o erro, e buscar nas experiências bem sucedidas das próprias escolas as soluções para as suas correções.  Por que antes as escolas despertavam mais interesse? O que as escolas fizeram ( ou deixaram de fazer) para que esse interesse fosse perdido? O que nós podemos fazer para recuperar o que perdemos?
          Mas ao contrário, insistem no que vem dando errado. Investem em espetáculos paliativos como o astronauta de 2001 e sua versão travestida de piu-piu de 2002. Conseguem 15 minutos de mídia e alguns aplausos que apenas atrapalham. Atrapalham porque geram um sucesso ilusório. O Real problema não é tocado, mas o "sucesso" obtido pelas palhaçadas geram novos investimentos em paliativos, como foi a repetição patética do homem voador.
          O Astronauta, a batida funk,  e outras "novidades" paliativas, geram sucessos ilusórios e momentâneos. Não são nocivos porque não estão nos fundamentos do samba, e sim porque geram sucessos ilusórios, como se a solução para a falta de popularidade das escolas fosse todo ano inventar numa novidade que gerasse 10 minutos de aplausos.
          É preciso resgatar o que as escolas tinham de positivo  nos áureos tempos. Modernizar sim, evoluir é uma necessidade, novidades são sempre bem vindas, mas de maneira inteligente, corrigindo os equívocos. Ninguém quer engessar as escolas no passado, mas o futuro, não necessariamente, é formado por astronautas e outras baboseiras que virão por aí. É preciso buscar um futuro onde a participação popular seja resgatada, onde o calor humano seja priorizado, onde a base das escolas de samba, as pessoas que participam do quotidiano das agremiações, tenham espaço no ápice do espetáculo. Onde os CDs tenham novamente mercado consumidor, em outras palavras, resgatar o público que goste de ESCOLAS DE SAMBA por serem ESCOLAS DE SAMBA, e não assista escolas de samba porque existem ASTRONAUTAS VOANDO. ( astronautas e outras palhaçadas que virão)
          Como eu falei, acho que as escolas de samba tomaram um caminho errado em sua "evolução". E é  no saco desse caminho errado que surgem cada vez mais "escolas emergentes". ( Não gosto desse termo, lembra o eufemismo presente na terminação "países emergentes". Pra mim, é "países sub-desenvolvidos" e "escolas de proveta" mesmo.)
          É trilhando esse "caminho errado" que a Grande Rio  faz sucesso.  E se acho que ela investe justamente no que está errado no carnaval, logo, não acho que a Grande Rio contribua para engrandecimento do espetáculo, pelo contrário. Claro, isso não é uma exclusividade dela, e sim das escolas de uma maneira geral, inclusive das tradicionais, mas é integralmente nesta fórmula que a Grande Rio busca seu sucesso e sua "popularidade".
          Aliás, grande parte das "escolas de proveta", são escolas duplamente subvencionadas, e ser "competente" com mais dinheiro que as outras é mole. Quando a "Inocentes" ainda era de Belford Roxo, foi só a prefeitura local não dar dinheiro, ou seja,  ENTRAR EM IGUALDADE DE CONDIÇÕES QUE AS OUTRAS, para fazer aquele espetáculo pífio e deprimente. O caso da Inocentes "de quem dá mais" é paradigmático para explicar a realidade dessas escolas. Não existem além dos investimentos interesseiros de seus mantenedores....
          E assim o carnaval evolui. Algumas evoluções inevitáveis, como o profissionalismo, mas outras perfeitamente dispensáveis. Algumas escolas não se adaptaram, algumas estão passando por dificuldades de diversos motivos.
Particularmente, me emociono com as escolas que pra muitos são "submergentes". Não troco nenhuma novidade da Grande Rio por um desfile da Vila ( mesmo não tendo gostado do desfile dela de 2002) ou da Ilha ( não importa o grupo em que elas estejam) .
          Cada um enxerga o espetáculo de uma forma. Eu enxergo pelo lado da emoção.
          Me emociono com a Vila, independente de sua situação, e apenas vejo a Grande Rio...

 

Fábio Pavão
(Pesquisador de carnaval)

 

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