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Acabou o carnaval,
minhas tias saíram da toca onde se enfiaram durante esses quatro dias (ou
mais) de folia. Curiosamente, sabem de tudo o que rolou na Sapucaí e adjacências,
porém acham que não vale a pena perder tempo com isso. Querem apenas deixar
bem claro que não concordam com o 9,5 dado pelo jurado e ator Mario Cardoso
à comissão de frente da Mangueira.
- Estava belíssima! - exclamam em coro.
- Aliás, como sempre - acrescenta, enfática, tia
Hida.
E passam a discutir o fato de o carnaval dar sinais de que pretende ser
um resumo do que acontece pela cidade. E como o que acontece não é exatamente
agradável.
Tia Norma interrompe para dizer que gostava muito mais do carnaval do Braguinha.
E cantarola:
- Lourinha, lourinha. dessa vez em vez da moreninha serás a rainha do meu
carnaval. - e parte para a cozinha disposta a encarar um lagarto atravessado.
O FATO É que, se a moda pega, teremos, pelo menos durante o governo Lula,
um carnaval pelo social. O Sambódromo será a próxima Candelária, palco de
denúncias e protestos. Já tem muita escola achando seus enredos bobinhos
e orientando seus compositores a darem uma radicalizada.
A Portela, por exemplo, que não é campeã há mais de 20 anos, já estaria
alinhavando o enredo: "INSS, APOTEOSE DA FILA. DEU-SE O ESPLENDOR DO
SUS".
Promete emocionar a Sapucaí mostrando a realidade nua e crua. Nua já mostrava,
mas a crueza, preparem-se.
Para começar a águia já apareceria mutilada, com a asa quebrada, denunciando
os maus-tratos com os animais silvestres.
A comissão de frente sairia de dentro de um caixão, simbolizando todas as
pessoas que não são atendidas a tempo nos hospitais da rede pública: crianças,
idosos, gestantes, todos sangrando e sambando, fazendo o tipo "Tira
esse sorriso da Avenida, que eu quero passar com a minha dor".
- Nos camarotes, em vez de astros e estrelas de Hollywood, cada vez mais
escassos, estariam Fidel Castro, Hugo Chavez, o presidente do Timor Leste,
a Prêmio Nobel da Paz Rigoberta Menchu e a nicaragüense Bianca Jagger.
NESSA ALTURA, Joãosinho Trinta já deve ter revisto seus conceitos. Tanto
que o enredo da Grande Rio será "FUREI A BLITZ. VEJAM SÓ O QUE ACONTECEU".
A comissão de frente, vestida de PM, em dado momento disparará balas de
efeito moral sobre o público, tanto homenageando o teatro de agressão de
José Celso M. Correia, nos anos 70, quanto retratando fielmente a realidade
carioca. Podemos imaginar a excitação que tomará conta da massa. Em tempo:
os carros não serão mais alegóricos, serão fúnebres, mas continuarão derrubando
suas sambistas e fazendo mais vítimas.
O destaque ficará por conta da bela Luana Piovani, interpretando uma vítima
de bala perdida. Cambaleará sensualmente durante toda hora e 20 do desfile,
causando dor, emoção e compaixão, sentimentos bem propícios a este novo
carnaval.
A BEIJA-FLOR, precursora dessa nova maneira politicamente correta de se
encarar a alegria, promete se superar. O enredo, guardado a sete chaves,
será "LIXÃO, UMA TRAGÉDIA ESCONDIDA. DE CAXIAS PARA A AVENIDA".
Os carnavalescos declararam que não irão abrir mão do realismo. Um deles
teria desabafado:
- Quem quiser diversão pela diversão, que vá ao Scala. A alegria aqui tem
compromisso social.
Tanto que a turbinada Déborah Secco se transformará em moradora do lixão.
Estará irreconhecível. A atriz prometeu, inclusive, que irá fazer pesquisa
para dar mais veracidade à sua performance na Avenida. Vai suspender o anabolizante
e só se alimentará com o que encontrar pelo chão.
Nesse ínterim, o grito de samba já se transformou num lamento de dor, para
delírio da arquibancada. O outrora risonho Neguinho da Beija-Flor anunciará
aos prantos:
- Aiiiiiiiiii, olha a Beija-Flor aí, minha gente.
Aiiiiiiiiii.
Parece que a famosa máxima de Joãosinho Trinta "Pobre gosta é de luxo."
começa a perder a validade. Os pobres teriam se aproximado dos intelectuais
e aderido à estética da pobreza.
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