Kizomba 1988
Quem viu, viu. Quem não viu não verá jamais!

 

          Sobre o desfile de 1988, peço permissão ao leitor para transcrever o texto que escrevi para o jornal "O DIA" e que foi publicado na quarta-feira de cinzas, antes, portanto, da abertura dos envelopes com a contagem da comissão julgadora:
                 "Se me pedirem para relacionar os melhores desfiles de escolas de samba que vi em toda a minha vida, terei, certamente, dificuldades para apontar um ou outro.  Mas um desfile de 1988 entrará, sem dúvida, nessa lista:  o da Unidos de Vila Isabel.  Nem sei se a Vila vencerá o desfile deste ano.  Afinal, já no ano passado, a escola foi incluída entre as prováveis ganhadoras e acabou chegando em quinto lugar.  Esse negócio de comissão julgadora, vocês sabem, é meio complicado.  Ninguém sabe o que se passa na cabeça do jurado.  Tudo é possível.  Mas seu eu fosse do júri, com poderes absolutos de escolher a vencedora de 1988, não teria a menor dificuldade para apontar a Vila Isabel.  E com muitos pontos na frente da segunda.
                  Se a análise do desfile for feita na tentativa de adivinhar os votos da comissão julgadora, qualquer especulação poderá dar certo.  Muitas escolas apresentaram-se em condições de obter excelentes notas em cada quesito.  A Beija-Flor, por exemplo, fez um dos seus melhores desfiles, desde que Joãozinho Trinta assumiu o comando do carnaval da escola.  A Mocidade Independente, o Salgueiro, a Estácio de Sá, a Tradição e a Estação Primeira podem somar mais pontos e uma delas será a campeã.  Até a Portela, apesar de ter saído muito ruim em matéria de alegorias e de apresentar um enredo um tanto confuso, ou o Império Serrano, que não foi bem em alegorias e fantasias, além de ter cometido erros no desfile.  O que me agradou domingo e segunda-feira provavelmente não agradou ao leitor e ao jurado.  Portanto, tudo pode acontecer.  Mas o que ninguém poderá apagar é a emoção que o desfile da Unidos de Vila Isabel me causou.  Foi uma apresentação revolucionária.  Pra um conservador, foi um desfile subversivo.  A Vila conseguiu produzir beleza com um tipo alternativo de fantasia e de alegoria.  Sem brilho, sem luxo e sem riqueza.  Mas as alegorias e as fantasias estavam inegavelmente bonitas.  Com um samba que pode não ter sido o melhor do ano, mas que qualquer compositor gostaria de ter feito, a escola fluiu na Marquês de Sapucaí.  O samba, por sinal, é tão bem-feito, do ponto de vista do desfile, que qualquer diretor de harmonia gostaria de ter uma música assim em sua escola.  É claro que o enredo ajudou.  O enredo conduziu os componentes a um sentimento de solidariedade.  E o samba, com toda certeza, funcionou como uma espécie de hino dessa solidariedade.
                  Com enredo, samba, fantasias e alegorias, o êxito nos demais quesitos foi consequência.  A comissão de frente foi perfeita, o mestre-sala e a porta-bandeira dançaram com paixão e arte, a escola teve harmonia, apresentou boa evolução, a bateria esteve maravilhosa e o conjunto acabou fantástico.  A escola teve garra, talento e alegria.  Seus integrantes imaginavam que teriam tirar leite de pedra, pois a quadra de ensaio lhes fora subtraída e, em consequência, não houve receita para montar um carnaval de sonhos.  Mas, quando chegaram à avenida e verificaram que, além de gana, havia também beleza, o resto foi fácil.
                 Desejo ressaltar que contribuiu para essa disposição a conduta exemplar do casal Ruça e Martinho da Vila.  Até o momento em que a escola chegou na concentração, eles foram guerreiros.  Dali em diante, foram nobres.  Não os vi berrando aflitos durante o desfile, como fazem os dirigentes mais tensos.  quando os pude ver (e esses momentos foram raros, porque ambos foram discretos o tempo todo), transmitiam segurança e tranquilidade.  Pareciam convencidos de que acabavam de liderar um trabalho para que a Vila fizesse um desfile histórico, o que, de fato, aconteceu.
                 Peço desculpas ao leitor por não fazer uma análise de cada escola, detendo-me sobre as possibilidades de cada uma.  É que nunca tive oportunidade como esta para derramar tanta emoção causada por uma escola que nunca venceu o desfile principal.  Antes, portanto, que a comissão julgadora faça uma das suas, duo logo o meu voto:  ganhou a Vila Isabel"
                Passados vários anos, o maravilhoso espetáculo proporcionado pela Unidos de Vila Isabel permanece na memória e no coração.  Foi realmente o mais belo desfile de escola de samba que já vi.  Como escreveu o jornalista João Luís de Albuquerque: "Quem viu viu.  Quem não viu não verá jamais."

 

Cláudio Francioni
(Ritimista, Professor e Diretor de Bateria)

 

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