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Aproxima-se
o Carnaval e, por isso, ao ouvir na imaginação o som dos atabaques, lembro-me
de que em 2000 faz 20 anos da morte de Mestre André, chefe da bateria da
Mocidade Independente de Padre Miguel. Foi no dia 4 de novembro de 1980.
Depois disso, a gente assistiu a seu filho comandar a bateria desde garoto.
Na bateria de Mestre André estavam todas as crianças a quem se passa a lição
que ensina o seu povo a prosseguir e a confiar. Lá estavam os deuses escondidos
das religiões oprimidas, a força que mora guardada no povo brasileiro à
espera do dia em que o País seja de quem o faz e não de quem o aproveita,
as pulsações das estrelas que já morreram e de todo o movimento cósmico
que nos faz viver, centenas de mãos pobres batendo na miséria e na injustiça,
não com golpes de destruição, mas com a percussão da harmonia.
Na bateria de Mestre André pulsava a vibração maior da alegria de criar
em conjunto sem, por isso, anular-se cada indivíduo. Ela permitia todas
as criações, todos os misteriosos andamentos da criatividade, da energia,
da força da doçura. Ela dava a cadência certa para quem fosse guerreiro
de beleza. Nela, o coração do samba batia o compasso da marcha para o futuro.
Na bateria dele estavam simbolizadas todas as demais baterias.
O tamborim se alvoroçava no
nervosismo da busca. O tarol se mostrava definido,
apontando os caminhos, e os surdos lembravam que tudo na vida possui um
andamento e um ritmo certo e que, quem o ofende, perde o passo. Avanço e
reflexão. Floreio e decisão severa. Todos os contrastes se harmonizavam
e se integravam ao ritmo exemplar da bateria de Mestre André.
Nela estava o pé descalço, a boca sem dentes, o cabelo por pentear na beleza
maior do povo do Brasil. Estava o sonho fantasiado da vida que um dia se
vai construir, estava um reino de liberdade.
O ritmo era uma batida e uma síncope. Uma pulsação e uma parada. Analogia
maior com a vida. O que pulsava era vivo e o que parava era morto. O ritmo
era uma interrupção da parada. A parada era uma interrupção da batida. Vida
e morte pulsando, eternamente se contrapondo. O importante era pulsar. Na
cadência. Na bateria de Mestre André, famosa era a parada. A paradinha,
mergulho na morte, da qual saía, violenta, reinventando vida na batida dos
tamborins.
Saudades da batida singular do Mestre André, quase 20 anos após sua morte.
Ela fez do simples pulsar do coração poeta a percussão de maior repercussão,
o mais afinado e total compasso da arte de viver. |