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A mistura da tradição européia
com os ritmos musicais dos africanos criou no Brasil um dos maiores
espetáculos populares do mundo. O Carnaval nasceu no Egito, passou
pela Grécia e por Roma, foi adaptado pela Igreja Católica e desembarcou
aqui no século XVII. trazido pelos portugueses. Viva a folia!
“Quem
foi que inventou o Brasil?
Foi seu Cabral, foi seu Cabral
No dia vinte dois de abril
Dois meses depois do Carnaval”
(História
do Brasil, Lamartine Babo, 1934)
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Com
História do Brasil, Lamartine Babo (1904 - 1963) fez mais do que o grande
hit de 1934: deu uma definição clássica da festa e do pais. À altura desta,
só a de Assis Valente (1911 -1958), em Alegria : “Minha gente era triste,
amargurada / Inventou a batucada / Prá deixar de padecer / Salve o prazer
/ Salve o prazer”.
Abaixo do Equador, onde não existe pecado, a fusão da tradição européia
com a batucada africana libertou o Carnaval na plenitude. Em nenhum lugar,
ele adquiriu a dimensão que alcançou no Brasil. Durante quatro dias, o
país fica fechado para balanço. Ou melhor: fica aberto para só balançar.
E se entrega ao espetáculo que seduz e deslumbra os estrangeiros.
A farra toda vem do inconsciente dos povos, desde os rituais da fertilidade
e as festas pagãs nas colheitas. Remonta às celebrações à deusa Isis e
o touro Ápis, no Egito, e à deusa Herta, dos teutônicos, passando pelos
rituais dionisíacos gregos e pelos licenciosos Bacanais, Saturnais e Lupercais,
as suntuosas orgias romanas. No século VI, a Igreja adotou essas festas
libertárias que invertiam a ordem do cotidiano, para domesticá-las. Juntou
todas na véspera da Quaresma – como uma compensação para a abstinência
que antecede a Páscoa. O Carnaval, então, espalhou-se pelo mundo. Desembarcou
no Brasil no século XVII. Aqui, virou um dos maiores espetáculos do mundo.
Você vai conhecer um pouco mais da origem da grande folia, desde a mais
remota antigüidade até a invenção da serpentina. Em Roma, comemoravam-se
as Saturnais de 16 a 18 de dezembro, para a glória do deus Saturno. Tribunais
e escolas fechavam as portas, escravos eram alforriados, dançava-se pelas
ruas em grande e igualitária algazarra. A abertura era um cortejo de carros
imitando navios, com homens e mulheres nus dançando frenética e obscenamente
– os carrum navalis. Para muitos, deriva daí a expressão carnevale. No
dia 15 de fevereiro, comemoravam-se as Lupercais, dedicados à fecundidade.
Os Lupercos, sacerdotes de Pã, saíam pelados, banhados em sangue de cabra,
e perseguiam os transeuntes, batendo-lhes com uma correia. Em março, os
Bacanais homenageavam Baco (o deus grego Dionísio em versão romana), celebrando
a primavera inspirados por Como e Momo, entre outros deuses.
Assumindo o controle da coisa, a Igreja fez o que pode para depurar a
permissividade.
Quatro maneiras de brincar ao ar livre - Com o frevo, os afoxés e os trios elétricos,
o negócio é ir para a rua se embolar
O
frevo frenético
A
palavra vem de “fervura” e lembra os movimentos acelerados dos foliões.
É uma dança de rua e de salão, criada em Recife, nos fins do século XIX.
A música, tocada principalmente por metais, é essencialmente rítmica,
com compasso binário (de dois “tempos”) e andamento rápido. Os dançarmos
executam coreografias individuais, improvisadas e frenéticas, que exigem
animação de sobra e preparo físico mais de sobra ainda.
Tradição
da África
Os
afoxés são sociedades carnavalescas fundadas por negros, na Bahia, inspiradas
nas tradições africanas. O primeiro afoxé nasceu em 1885: era o Embaixada
Africana, que desfilou com roupas e adornos importados na África. O segundo,
Pândegos da África, surgiu no ano seguinte. Hoje, os principais afoxés
da Bahia são Filhos de Gandhi, IIê Aiyê e Olodum.
Eletricidade
musical
Os
trios elétricos são palcos motorizados. Montados na carroceria de caminhões
e equipados com potentes alto-falantes de até 100 000 watts, desfilam
pelas ruas, levando grupos musicais e seguidos pela população. O precursor
foi o Trio Elétrico de Dodô e Osmar, na Bahia. Hoje, essa folia eletrificada
marca presença em quase todas as ruas do país.
Samba
na avenida
As
escolas de samba estrearam no Rio de Janeiro, em 1928 e, com o tempo,
adquiriram estrutura e orientação empresariais, reunindo até 15.000 integrantes.
Hoje, elas comercializam apresentações, direitos autorais e de imagem,
sob o patrocínio do Estado e de banqueiros do jogo do bicho. O termo “escola
de samba” surgiu no século XIX, mas foi definitivamente adotado nos anos
30, desde que o bloco Deixa Falar (a primeira de todas) passou a fazer
ensaios à porta da antiga Escola Normal.
Isso também é carnaval
Os confetes chegaram ao
Brasil em 1892, jogados em batalhas entre os cordões. As serpentinas substituíram
as flores atiradas aos carros alegóricos.
Sob
fantasias, o folião tem muito mais liberdade. Elas são usadas no Brasil
desde o século XIX. Em 1937, houve o primeiro desfile, no Teatro Municipal
do Rio de Janeiro igualitária dos carnavais. Na Idade Média, a festa virou
encenação litúrgica, corrida de corcundas, disputa de cavaleiros e batalha
urbana de ovos, água e farinha. Depois, o carnaval se espalhou pelo mundo.
Na
Rússia, a Maslenitsa dá adeus ao inverno, com corridas de esqui, patinação,
danças com acordeão, balalaika, blinky masleye (panquecas amanteigadas)
e, é claro, muita vodka. No carnaval de Colônia, na Alemanha, as mulheres
armam-se com tesouras e saem pelas ruas para cortar as gravatas dos homens.
Em
Veneza, a tradição consagrou os fogos de artifício e foliões mascarados,
inspirados na velha Commedia dell’Arte. Na Bolívia, os mineiros de Oruro
veneram a mãe-terra, Pachamama, dançando fantasiados de demônios. Em New
Orleans, nos Estados Unidos, uma torrente humana invade as ruas do French
Quarter, na terça-feira do Mardi Gras, atrás de músicos que tocam toda
a noite.
Um ritual subverte a hierarquia
O
entrudo português chegou aqui no século XVII. Os foliões se lambuzavam
com cabaças de farinha e bexigas d’água. Durante a Colônia e o Império,
o entrudo foi proibido inúmeras vezes. Consta que D. Pedro II gostava
de jogar água nos nobres, na Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro.
O
primeiro baile aconteceu em 1840, no Hotel Itália, no Rio, ao som de valsas,
quadrilhas e habaneras. Em 1845, os ricos aderiam à polca tcheca e os
negros dançavam jongo. Em 1848, o sapateiro português José Nogueira de
Azevedo Prates, o Zé Pereira, saiu por aí tocando bumbo. Deu origem aos
primeiros blocos de rua. Os cordões começaram com as sociedades carnavalescas,
em 1866. Na Bahia, em 1895, nascia o primeiro afoxé: estava inventada
a batucada. Depois da Guerra dos Canudos, em 1897, uma gentarada foi morar
no Morro da Saúde, criando a primeira favela do Rio. Ali, na casa da Tia
Ciata, foi composto o primeiro samba, em 1917: Pelo Telefone, de Donga.
Era
só o começo. Vieram o Rei Momo, os corsos de automóveis das boas famílias
(1907-1930), as escolas de samba (1928) e os concursos de fantasia (1936).
Em 1935, o desfile das escolas de samba foi legalizado pela Prefeitura
do Distrito Federal. Com o rádio, a festa difundiu-se e profissionalizou-se.
Com a televisão, virou indústria.
O
antropólogo Roberto Da Matta, autor de Carnavais, Malandros e Heróis (Rio,
Ed. Zahar, 1979) define a folia como um rito de inversão, que subverte
as hierarquias cotidianas: transforma pobres em faraós, ricos em mascarados,
homens em mulheres, recato em luxúria. É uma compensação da realidade.
Inventamos a batucada para deixar de padecer.
O
lança-perfume, com perfume e cloreto de etila, foi trazido da França a
partir de 1906. Foi proibido em 1960, porque a substância era aspirada
como uma droga
Os
primeiros blocos foram licenciados pela polícia em 1889, no Rio. Os integrantes
percorrem as ruas fantasiados, ao som de instrumentos de percussão
O
Rei Momo foi instituído pelo jornal carioca A Noite, em 1933, como símbolo
do Carnaval. O primeiro Rei Momo foi o compositor Silvio Caldas
Nas
bandas, cada um vai como pode: não existe uniforme ou regulamento. A primeira
surgiu em 1965, em Ipanema, no Rio de Janeiro
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