Ivone Lara: Sambistas cariocas

            Que legal! Dia de Reis, o samba carioca, com algumas de suas faces mais brilhantes e aparentes, da veneranda Dona Ivone Lara ao promissor Dudu Nobre, fecha o ciclo natalino no Metropolitan! Digo "faces aparentes" porque existem outras, ocultadas e emudecidas pela mão grande com que as gravadoras dominam a música brasileira. Impondo ao mercado uma embalagem quase única para o velho samba, elas vendem gato por lebre.
          O termo pagode - presente desde pelo menos o século XI na linguagem musical brasileira e portuguesa - nos anos 80 batizou uma forma moderna de fazer samba. Esse novo samba começou a aparecer com o Grupo Fundo de Quintal, na virada dos anos 70 para 80, com violão, cavaquinho, banjo, tantã, repique de mão e pandeiro. E foi com esses instrumentos, tocados ao redor de uma mesa festiva, e valorizando formas complexas de samba, como o partido-alto, que surgiu o pagode dos anos 80, única revolução na MPB depois da Bossa Nova.
          Nesse contexto, posterior a Martinho e Dona Ivone, é que amadurece Beth Carvalho, nasce Zeca Pagodinho e é gerado Dudu Nobre, estrelas da noite de hoje no Metropolitan. Pena que, na década seguinte, a indústria do disco, novidadeira como ela só, partia para outra. E quando precisou do samba, foi buscar a falsa modernidade pop de uma fórmula pasteurizada. O samba sempre foi rico em melodia. Esse é o diferencial do pagode que domina o mercado em relação às demais formas: ele é repetitivo, sem malícia.
          Existisse Metropolitan e houvesse esse "show de Reis" há uns 20 anos, lá estariam, além das escassas estrelas de hoje, muitos outros grandes vendedores do samba, como Clara Nunes, Roberto Ribeiro, Agepê - sem falar de outros bambas, que já não vendem discos, mas, pelo menos, ainda estão entre nós.
 

Nei Lopes
(Compositor por ofício e Sambista por Opção)
Publicado no Jornal O Dia em 06 de Janeiro de 2000

 

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