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Entra
ano, sai ano, o disco de sambas-enredos do carnaval carioca parece mudar
apenas de embalagem. Dois ou três bons sambas para salvar a pátria, um sem-número
de marchas que se prestam a enredos pouco inspirados e a constatação de
que as escolas não se preocupam tanto com a qualidade da música que vai
embalar seu desfile no ano que vai chegar. Assim como o futebol carioca
precisa de uma reciclagem urgente, as escolas de samba também precisam avaliar
seus erros para tornar o espetáculo — visualmente, sempre impactante — em
algo que agrade também aos ouvidos.
Da
safra que irá para a avenida em 2003, dois sambas merecem destaque, e não
apenas pelo conjunto andamento-melodia-letra. A Beija-Flor de Nilópolis
e a Unidos da Tijuca há alguns anos vêm apresentando boas músicas, frutos
de uma bem estruturada renovação de suas alas de compositores, fato que
não se observa em outras agremiações, onde os processos de escolha, infelizmente,
ainda atendem interesses de fulano ou sicrano.
A
escola de Nilópolis traz um belo samba para um enredo que conta a história
dos brasileiros que, de uma forma ou de outra, lutaram pela liberdade (“Grito
forte dos Palmares, Zumbi/ Herói da Inconfidência, Tiradentes/ Nas caatingas
do Nordeste, Lampião/ Todos lutaram contra a força da opressão”). Boa letra,
linda melodia e andamento, hoje raro, de samba-enredo.
A
Unidos da Tijuca também apresenta um samba denso, até difícil, de estrutura
clássica, sobre o melhor enredo do ano. A escola do Borel conta a história
dos negros agudás, que, ao ganharem a liberdade no Brasil, voltaram para
a África e, até hoje, preservam os valores culturais do Brasil dos tempos
imperiais.
Outro
samba que merece destaque é o da Império Serrano. A escola apostou na parceria
de figurões como Arlindo Cruz, Aluízio Machado, Carlos Sena e Maurição e
não tem muito do que se arrepender. Para um enredo pouco inspirado, eles
fizeram um samba com refrãos de resposta (“Prometeu roubou do sol...o fogo/
Trouxe a luz para iluminar... o fogo/ O que vem do coração... clareia/ Clareia
igual a lua cheia”), recurso cada vez mais utilizado pelas escolas para
ganhar a platéia.
Mangueira
não repete a (boa) dose do último samba
Campeã
deste ano, a Mangueira, se não chega a ter um samba ruim, dificilmente vai
conseguir a unanimidade do ano passado, quando cantou o Nordeste. O enredo
sobre os dez mandamentos não chega a ser dos piores, mas o samba não empolga,
apesar do eterno Jamelão.
Se
o futebol precisa rever seus conceitos, a começar por cartolas e treinadores,
nas escolas o problema está centrado na figura de seus dirigentes e dos
carnavalescos, irmãos em empáfia e “idéias geniais” dos nossos técnicos.
Alguns enredos beiram o ridículo, tamanha a falta de criatividade, vazio
este, muitas vezes, inevitavelmente reproduzido por seus compositores. Como
fazer um bom samba sobre doação de órgãos (da Mocidade), sobre o jeitinho
brasileiro (da Porto da Pedra), ou sobre Ronaldinho (da, sempre ela, Tradição)?
Apelação tem limite! |