Procura-se negro no carnaval

 

          Não é de hoje que críticos do desfile de escolas de samba do Rio de Janeiro rejeitam a “invasão” de brancos no Sambódromo. Se a queixa for interpretada apenas como uma questão racial, não deixa de ser um preconceito. Brancos não saberiam sambar por causa da cor da pele? “Comunidades” só seriam habitadas por negros? A “invasão branca”, porém, pouco tem a ver com a cor da pele. É apenas uma maneira — talvez utilizando-se uma expressão politicamente incorreta — de se denunciar o grande negócio que virou o desfile. E que, hoje, basta ter dinheiro para se desfilar numa escola.
          Aos que se defendem dizendo que a venda de fantasias e, consequentemente, de um lugar no desfile, representam uma minoria de componentes de uma agremiação, recomendo uma visita aos sites oficiais das escolas cariocas. Em todos eles, é possível comprar o direito de desfilar. Não precisa saber sambar, não precisa ser identificado com a escola, não precisa conhecer o samba-enredo. Um turista sueco que esteja desembarcando hoje no Rio pode simplesmente gostar de um croquis e ter o dinheiro à mão para fazer parte da Ala Falcão e se fantasiar de “Academia Brasileira de Letras”, no enredo da Imperatriz Leopoldinense que, este ano, homenageia Jorge Amado.
          Na Portela, os diretores até se gabam disso e escrevem com todas as letras: “A menos de um mês do carnaval, o folião que pretende desfilar pela Portela pode comprar a sua fantasia. O internauta encontra os croquis das fantasias e os contatos dos presidentes de alas para negociar a aquisição das fantasias luxuosas e bem acabadas para o desfile do 2012.”
          Mas, pelo jeito, neste carnaval a questão da “invasão branca” deixou de ser uma metáfora e tornou-se verdadeiramente uma questão racial. A Vila Isabel, que pretende cantar a Angola em seu desfile, está sentindo falta de componentes que representem com fidelidade o povo do país homenageado e, ao lado do já tradicional anúncio de venda de fantasias, publicou um outro em que revela seu maior problema para este ano: “Vila Isabel abre inscrições para negros no carnaval 2012”.
          Segue aqui o anúncio na íntegra: “Com o enredo ‘Você semba lá... que eu sambo cá', de autoria da carnavalesca Rosa Magalhães, a Vila Isabel pretende sacudir a Avenida e produzir uma grande festa em homenagem à Angola. Última a desfilar no domingo de carnaval, a escola está convocando negros e negras que se identifiquem com a História da nação africana e desejem fazer a diferença no desfile da azul e branca em 2012. Os candidatos precisam ser maiores de 18 anos e deverão se inscrever no barracão ou na quadra, entre 10h e 17h, de segunda a sexta-feira.”
          Daqui a pouco o Governo vai ter que estabelecer cotas raciais para que a escolas preencham suas alas. Pelo menos, o samba da Vila, de autoria de Arlindo Cruz, André Diniz, Evandro Bocão, Leonel e Artur das Ferragens, é lindo. Já é uma vantagem e tanto para o desfile deste ano.

Artur Xexéo
(Publicado originalmente na Revista O Globo em 29 de janeiro de 2012)

 

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