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As irreverências e as linhas melódicas de expressão verbal oral são sem dúvida a marca registrada de alguns intérpretes de samba-enredo. Sua apresentação vem rodeada de carisma, personalidade, sentimento, voz, tornando-o inesquecível para alguns, que muito das vezes passam associar a escola à pessoa dele e vice-versa.
Anos de estrada numa mesma escola, acaba neste paralelo e quando por motivos adversos mudam de pavilhão, levam com ele uma parte da agremiação e que ficam para sempre. Nesta perspectiva, algumas mudanças podem trazer prejuízos, sob ponto de vista técnico, pois, características intrínsecas da escola e do cantor passam a ser referência, além do andamento, traços melódicos e registro pulsátil. Muitos intérpretes apresentam desgastes vocais, alterações de ordem musical que destoam, outros por sua vez, com expressão vocal bem marcante, com ajustes vocais próprios para o canto, nestes casos, porém, alguns deles faltam-lhe detalhes, o recheio considerado importante para manutenção no mercado ou seja, a voz dita de qualidade, que somado à informações subjetivas de comunicabilidade proporcionam imagem auditiva, visual e cinestésica e permitem ao imaginário do público identificação e aproximação. Há intérpretes completos, apesar de raros se encaixarem neste perfil.
Hoje, encontramos muitos tipos de desempenho vocal, que fazem diferença na apresentação. Quando ouvimos determinados cantores (puxadores e/ou intérpretes) já o identificamos, não somente pelo que soa em nossos ouvidos, mas por traços marcantes pessoais e registros musicais próprios de cada agremiação e em outros momentos quando deparamos o mesmo intérprete em outra escola, iniciamos nossa percepção acústica, a identidade dele e a marca deixada em relação à escola anterior e só após alguns segundos podem observar o que ele realmente esta cantando ou defendendo qual pavilhão. Muitos fazem mudanças, trocas e funcionam harmonicamente, outros mesmo com toda experiência, criatividade, não se encaixam, não conseguem alcançar ou separar sua voz e sua imagem ao da defendida anteriormente, e neste sentido, passam a ser cobrados de forma que podem trazer-lhes perdas irreparáveis. Há também o cantor que defendeu a escola numa época, trocou de escola, retornou após um período. Alguns se tornam ícones na história musical da agremiação, já outros, independem disso, embora que outros parâmetros comecem a ser observado, ele se torna referência independente de qual escola que defenda, pois ele tem sua marca. Além de sua voz, ele é sinônimo de presença e de encontro com a história viva do Carnaval.
Perguntado a muitos especialistas da área, e sem muitas definições acertadas, ficam vários questionamentos ainda em aberto, que seriam: A voz de qualidade é importante tão quanto todo o resto que envolve o cantor de samba-enredo ( puxador e/ou intérprete) para a escola de samba e seu público ou não? Quando encontramos um potencial de voz e sua imagem não expressa a mesma proporção, a escola fica prejudicada no quesito marketing? Qualifica-se um intérprete por sua voz somente ou pelo conjunto da obra? O lado comercial do carnaval se preocupa com tudo isso? E o público tem esse interesse ao ouvir e assistir um intérprete na apresentação voltado para estas questões? O que importa realmente para o segmento do carnaval e para o público em geral?
Indagações à parte, ratifico como pesquisadora de carnaval e especialista em voz que toda e qualquer forma de expressão deve ser observada, a agradabilidade vêm de encontro aos conceitos que cada um tem e se apropria, mas o encantamento está em perceber que o que será apresentado tem sentimento, que lhe diz algo a mais independente da voz, mas o que esta encoberto na apresentação e que muito das vezes passa desapercebido. Exige do ouvinte, do expectador, uma análise voltada para razão / emoção, ação/reação, e que mesmo assim gera associações ou julgamentos precoces, irreais, do que realmente deveria ser, permite nessas pessoas uma análise dissociada deste ou daquele potencial, seja da voz, da imagem , mas permeia muito das vezes a personalidade e o estilo próprio do cantor na escala de valores analisados, além da particularidade de cada agremiação. O que diriam os entendidos do carnaval neste sentido é que voz transcende, ecoa sentimento, postura, gesto, atitude e interpretação.
Deixando de lado a “qualidade vocal” defendida por muitos especialistas na área, há de se verificar que para este grupo de profissionais que o importante acima de tudo é deixar pulsar a emoção na batida do coração... Muitos tentam, poucos atingem este objetivo.
Referências:
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Araújo, H. Carnaval – Seis Milênios de História. Gryphus. 2003.
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Behlau, M. Voz - o livro do especialista.1a ed. Vol 2. Revinter 2005.
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Kyrillos, L.R. Expressividade – Da Teoria à Prática. Rio de Janeiro – Revinter 2005Texto
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