O Samba pede carona: samba, ritmo e música nos trens urbanos

 

          Oswaldo Cruz, bairro do subúrbio carioca, transforma-se, a cada ano, em palco para a comemoração do Dia do Samba.  O Dia do Samba, comemorado em dois de dezembro, foi instituído pela Lei nº 554 de 1964, e é de autoria do deputado Frota Aguiar em homenagem ao encerramento do I Congresso Nacional do Samba, ocorrido no Rio de Janeiro entre os dias 28 de novembro e dois de dezembro de 1962. Desde 1997, para marcar as comemorações do Dia do Samba, partem da estação terminal Dom Pedro II (Central do Brasil) cinco trens em direção à estação de Oswaldo Cruz, onde se realiza uma grande festa, repleta de rodas de samba e shows em três palcos, rompendo a noite e só terminando na manhã seguinte.  Esse evento “ferroviário e sambeiro” é conhecido como Trem do Samba.
          Meu objetivo, neste artigo, é interpretar o evento Trem do Samba a partir de um exercício comparativo com outras duas manifestações culturais do samba que utilizaram o trem urbano carioca como cenário: o Samba no Trem e o Pagode no Trem. A princípio, nada legitimaria o exercício comparativo entre ações culturais que, a despeito de sua forma simétrica, podem possuir conteúdos assimétricos. Neste sentido, o exercício que me proponho está informado pela questão boasiana de que “não se pode dizer que a ocorrência do mesmo fenômeno sempre se deva às mesmas causas” (Boas, 2006, p. 31). Ainda assim, entendo que uma análise comparativa das três ações culturais que utilizaram, e ainda utilizam, os trens urbanos pode ser produtiva para a compreensão das formas de utilização do espaço público urbano e das possibilidades, a partir daí, de construção de novas sociabilidades e de reordenamento das identidades sociais. Contudo, devo advertir que não cabe nos limites deste trabalho, uma análise exaustiva das ações culturais que tem no trem seu cenário, mas somente uma tentativa de compreensão de como fenômenos culturais que possuem similitudes na forma, no caso o trem como cenário, podem ter motivações e conteúdos sociológicos e culturais diferenciados.
          Será importante uma apresentação, ainda que breve, do bairro de Oswaldo Cruz na construção cultural da cidade do Rio de Janeiro.
          Oswaldo Cruz é o bairro onde o Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela foi fundado na década de 1920. Seus limites geográficos são: Madureira (leste), Bento Ribeiro (oeste), Vila Valqueire (sul) e Turiaçu (norte).
          A fundação do ramal ferroviário que ligou o centro da cidade com Oswaldo Cruz facilitou o deslocamento de parcelas da população como funcionários públicos, militares, pequenos comerciantes e profissionais liberais que passaram a residir em Oswaldo Cruz e trabalhar no centro da cidade. A inauguração da estação ferroviária, portanto, não trouxe somente progresso para a região com a implantação de novos comércios e habitações mais bem construídas, mas também alterou econômica e culturalmente a população local, que passou a ser composta por migrantes de outras regiões da cidade. Assim, Oswaldo Cruz se transformou, como outros bairros do Rio de Janeiro, num espaço híbrido formado por grupos cultural, geográfica, política e economicamente diferenciados.
          A família Oliveira foi uma das que se deslocaram do centro da cidade para Oswaldo Cruz, oriundas do bairro da Saúde. Um dos filhos dessa família que chegou a Oswaldo Cruz em 1920 chamava-se Paulo Benjamim de Oliveira, mais tarde conhecido como Paulo da Portela, tinha, então, 19 anos, e foi um dos fundadores da Escola de Samba Portela.
          Com a inauguração da Estrada de Ferro, o bairro foi dividido em dois lados. Do lado direito de quem vai do centro para a zona oeste a parte vivem moradores de maior poder econômico, concentra-se o comércio local e se encontra a sede da Portela. Do lado esquerdo há escassez de comércio (apenas padaria, fábrica de sorvete, loja de móveis e duas barracas de ambulantes). O que caracteriza esse lado é a presença de um conjunto habitacional do antigo Banco Nacional da Habitação (BNH). A Portela e o Conjunto do BNH são os elementos definidores dos lados De Oswaldo Cruz conhecidos como “lado dos conjuntos” e “lado da Portela”. Há uma forte ligação, portanto, entre Oswaldo Cruz e Escola de Samba Portela como atestam as letras dos sambas: “o que nos vale é a fé, que encoraja e conduz/ portelense de verdade/ que defende Oswaldo Cruz” (“Retumbante Vitória”, de Monarco); “Portela é meu grande amor / era rainha de Oswaldo Cruz (“ Corri Pra Ver”, de Chico Santana, Monarco e Casquinha). A história cultural bairrista está intimamente ligada à história da Portela, a ponto de muitas vezes a história do bairro se confundir com a da agremiação. Feito este preâmbulo gostaria de contextualizar, de forma também bastante sucinta, o que é considerado, aqui,  trem urbano carioca.
          O ramal de trem que liga as estações Dom Pedro II e Deodoro é composto por dezenove estações . Oswaldo Cruz é a décima sexta estação, distante 18 km do Centro da Cidade. Foi fundada em 17 de abril de 1898.
A primeira linha de circulação ferroviária construída pela Estrada de Ferro Dom Pedro II - e que a partir de 1889 passou a se chamar Estrada de Ferro Central do Brasil - foi a Linha do Centro, que ligava as estações de Dom Pedro II e Afonso Arinos, no Município de Comendador Levy Gasparian. O primeiro trecho desse ramal foi entregue em 1858 e compreendia o trajeto entre a estação Dom Pedro II até Belém (atual Japeri) e daí até a serra das Araras. Em 1864 chegou à Barra do Piraí e em 1911 a Afonso Arinos. Os trens urbanos do ramal de Deodoro começaram a circular em 1859 e, atualmente, transportam em média de 450 mil passageiros por dia. Esse ramal é considerado pela população carioca como mais “elitizado”, por duas razões. Primeira: por ser um trecho mais curto, o percurso é feito, em média, em 30 minutos, ocasionando uma permanência breve no trem, enquanto em outros ramais, como, por exemplo, no de Japeri, a viagem tem a duração média de uma hora e meia. Segunda:  porque os trens são mais novos e mais bem conservados, ainda que essa realidade esteja se modificando com a circulação de novos trens, com ar refrigerado, em outros ramais, principalmente, o de Campo Grande e Bangu. Ainda assim, os trens do ramal de Deodoro são os mais novos e confortáveis e, consequentemente, vistos como os mais “elitizados”. Persiste, ainda, no imaginário popular, a ideia de que o ramal de Deodoro serve uma população privilegiada também em relação aos bairros que atende, pois os mesmos possuem melhores infraestruturas urbanas e são mais próximos do centro da cidade.
          Entre os passageiros, como em quase todos os centros metropolitanos brasileiros, há uma considerável heterogeneidade de classes, cores e idades. Parece que os trens urbanos podem ser considerados um dos transportes que mais representam a diversidade da cidade do Rio de Janeiro. Contudo, existe outra ideia presente nas representações cariocas acerca dos trens que os trata como espaços onde predominam o vandalismo e os pobres.  É desse trem, que aglomera uma população heterogênea e que faz circular representações as mais diversas, que me ocupo aqui na tentativa de compreendê-lo como espaço social, político e cultural.

Cantando de volta para casa: Samba no Trem

          Das três ações, a mais difícil de contextualizar e analisar é o Samba no Trem de 1920. Por essa razão farei apenas breves indicações sobre sua existência e as relações que pode ter com o tema do trem e do samba urbano. A única fonte foi o depoimento que Ernani Rosário deu a Marília Barboza e Lygia Maciel quando as autoras elaboraram a biografia de Paulo da Portela. Apesar de longo, permito-me citá-lo na integra.

“O pessoal da Portela se reunia diariamente. Mas era no trem. A reunião era na Central. Aqueles que trabalhavam, vinham no trem das seis e quatro, da Central para Oswaldo Cruz. Esse trem era paradouro; vinha parando em todas as estações, do Engenho de Dentro a Cascadura. A turma desabava toda em Oswaldo Cruz; a maioria. Outros iam para Bento Ribeiro, Madureira e adjacências. Ali se passava o samba. Já começava a passar o samba na Central, enquanto esperava a hora do trem. O pessoal ia chegando quatro horas, quatro e meia, até seis e quatro, quando chegava o trem. E uma turma ia de Oswaldo Cruz. Quando chegava umas cinco horas, tomava um banhozinho, botava o paletó, enfiava o tamborim debaixo do braço e partia pra lá pra se reunir. Na estação D. Pedro II, o carro de prefixo Deodoro era a sede móvel da Portela, a sede volante. As pessoas iam de Oswaldo Cruz até a Central pra poder voltar junto. Nesse tempo não tinha roleta, não tinha coisa nenhuma. O sujeito entrava no trem, o condutor ia cobrando, picotando as passagens. Muita gente não pagava. O hábito de viajar no seis e quatro durou muito tempo [...] O carro da Central era sempre dos amigos. Ali no trem passávamos os sambas. Quando chegava domingo, grande parte já conhecia de cor. Saía nego de mansinho, aí, tamborim debaixo do braço, pandeiro, só não tinha cuíca. A turma que descia pela manhã era pequena, mas na volta! Paulo [da Portela] vinha sempre nesse carro, andava de um lado para outro no trem, advertindo, às vezes, quem se comportava mal (Silva & Maciel, 1979, p. 43).

          Muita coisa pode ser dita e/ou inferida a partir dessa citação. Um tema presente em vários estudos sobre samba, carnaval e escolas de samba relaciona-se à apropriação da cultura do samba por segmentos não pertencentes originariamente a este universo, visto através do sintagma do aniquilamento e a consequente resistência e preservação dos sambistas. Nesta perspectiva, o Samba no Trem pode ser lido como meio de resistência e espaço preservacionista frente aos projetos de aniquilamento do samba. Poderíamos tratar em profundidade a relação entre apropriação e resistência do samba da década de 1920. Contudo, não é esse meu objetivo. Para este artigo é o bastante indicar que o tema da resistência dos afrobrasileiros por meio do samba marco o pensamento de alguns autores: Candeia (1978), Barata (2002), Jório & Araujo (1969), Lopes (1981), Moura (1983), Rodrigues (1984). Contudo, meu argumento vai em direção oposta quando utilizo a citação acima para pensar o Samba no Trem. Não parece plausível admitir que o procedimento de aproveitar a viagem de trem de volta para casa como espaço para passar  o samba possa ser explicado como forma de resistência a algum tipo de projeto de branqueamento da sociedade ou da tentativa de aniquilamento das expressões culturais dos negros. Diante disso, trato o Samba no Trem como forma criativa de um grupo de sambistas e, certamente, não-sambistas, utilizar um espaço urbano público; no caso, o transporte de massa. Creio que, apesar de ter havido proibições em relação ao samba e aos espaços físicos do samba, o tema da proibição está mais associado à identidade coletiva construída – a da malandragem - do que ao ritmo, à dança, aos instrumentos ou à “ludicidade” que os espaços do samba proporcionavam. Pois, nessa época, os sambistas estavam identificados – e nada faziam para que fosse diferente – ao malandro:

Virgolino [delegado de polícia] foi substituído por Meire Lima. Este não odiava apenas o samba. Tinha uma profunda antipatia pelas largas calças tipo bombachas, que eram o luxo do malandro (Cabral, 1996, p. 28).

          A associação do sambista com o malandro era feita, por conseguinte, nas décadas de 1920 e 1930, “pelo senso comum, pela imprensa do Rio de Janeiro e pelas próprias letras das canções” (Sandroni, 2001, p. 156).
Foi na Portela, com Paulo da Portela, que teve início um movimento de “desmalandrização”. Para o fundador da Portela, o “sambista, para fazer parte de nosso grupo, tem que usar gravata e sapato. Todo mundo de pés e pescoços ocupados” (Silva & Maciel, 1979, p. 44), numa postura contra os chinelos e camisetas do malandro da época. Neste sentido, penso não ser suficiente a explicação que associa a perseguição ao samba e a utilização da viagem do trem como resistência, pois tal entendimento parece alimentar-se de uma representação atual das relações sociais, calcada na noção da necessidade de sobrevivência de formas peculiares de cultura e de identidades sociais. Como se as perseguições fossem uma prática contra determinados grupos, no caso os afrobrasileiros, e houvesse, em todas as épocas, um projeto de aniquilamento e de submissão cultural brasileira aos paradigmas euroamericano.
          O Samba no Trem, portanto, em meu entender, está mais associado a uma forma de distração, no sentido do lazer, para ocupar, inteligentemente, o tempo de permanência  no trem com uma expressão cultural que caracteriza esse grupo: a música. Neste sentido, o Samba no Trem pode ser entendido como um espaço não intencionalmente criado, mas como uma forma de reutilização de um espaço necessário à volta para casa; de um transporte de massa.

Resistência e lazer: Pagode no Trem

          Em 1990, um grupo de moradores de Oswaldo Cruz, incluindo os sambistas da região, decidiu fundar um movimento social com o objetivo de resgatar a autoestima dos moradores e atrair políticas públicas para o bairro que, na época, sequer constava no mapa divulgado pela lista telefônica da cidade. Surgiu, assim, o Movimento Cultural Acorda Oswaldo Cruz (Acorda), que tinha como principal motivação a recuperação e oxigenação da memória coletiva dos moradores.
          A motivação política aliada à história cultural do bairro, ligada a presença de ilustres músicos da Escola de Samba Portela, fez com que o Acorda decidisse revitalizar a relação do bairro com sua história cultural através de quatro ações. Primeira:  um mapeamento das residências e lugares onde os sambistas moravam e/ou que frequentavam. Segunda:  a divulgação, através da mídia, dessa história. Terceira:  intervenção junto à Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro para prestar uma homenagem a integrantes do GRES Portela . Quarta:  divulgação da história cultural do bairro através de panfletos distribuídos em pontos estratégicos: Estações de trem, igrejas, clubes e escolas. Foi, entretanto, a partir da leitura do trecho acima citado sobre o Samba no Trem que o Acorda decidiu realizar uma ação cultural que reproduzisse, pelo menos na forma, a ação dos portelenses da década de 1920: o Pagode no Trem. Entretanto, se, como argumentei acima, a ação dos portelenses da década de 1920 não era uma ação de resistência a algum projeto social e/ou cultural de aniquilamento, a ação do Acorda Oswaldo Cruz ao lançar o Pagode no Trem tinha uma motivação explícita de resistência a um projeto que era identificado como de aniquilamento.
          O Pagode no Trem possuía uma estrutura bastante similar ao seu antecessor da década de 1920.  Um grupo de pessoas saía de Oswaldo Cruz, à tarde, levando alguns instrumentos musicais (pandeiro, tam-tam, reco-reco) e um equipamento de som alimentado por uma bateria de automóvel, em direção à estação Dom Pedro II. Enquanto isso, outras pessoas, as que voltavam do trabalho, concentravam-se na estação Dom Pedro II. Na estação de trem o samba era feito por pessoas que não possuíam consórcio, isto é: cada um que chegava, independentemente de pertencer ou não a algum grupo, ou mesmo de ser ou não músico podia, tocar ou “puxar” algum samba.
          Poucas vezes, conforme depoimento de seus organizadores havia um grupo formal para sustentar o samba todo o tempo. No trem de 17h50 saíam da Central, em direção a Oswaldo Cruz, no terceiro vagão, tradicionalmente o vagão do pessoal de Oswaldo Cruz, pois quando o trem chega a esta  estação o 3º vagão abre suas portas em frente à escada de acesso. Nesse vagão vinham, além dos oswaldocruzenses, pessoas comuns, pois o trem parava em todas as estações do ramal de Deodoro, entrando e saindo passageiros ao longo do percurso. Chegando a Oswaldo Cruz as pessoas dirigiam-se a um dos botequins, previamente avisado, que preparava o ambiente com algumas mesas e cadeiras e bastante cerveja nos freezeres.
          
O objetivo principal do Acorda Oswaldo Cruz com o Pagode no Trem, era:

“criar uma grande rede de participação, onde todos os moradores, amigos e simpatizantes do Bairro, possam, dentro de suas habilidades, contribuir para a construção da cultura e da melhoria de vida de nossa comunidade” (panfleto).

          O Pagode no Trem, portanto, não foi criado como um fim em si, mas como uma estratégia política para alcançar um dos objetivos do Acorda Oswaldo Cruz. Seu conteúdo era, por conseguinte, além de cultural, denunciatório. Após três anos de existência o Acorda foi desfeito em consequência de um conflito interno entre os segmentos capitaneados por duas pessoas: Edson de Oliveira e Marcos Sampaio. Enquanto o primeiro, apesar de músico e compositor, pretendia manter o trabalho coletivo e não usufruir das conquistas do Acorda como benesses pessoais para sua carreira, Marcos Sampaio, que também é compositor e músico, pretendia investir em sua carreira solo em detrimento do trabalho coletivo do Acorda. Essa situação conflitiva dividiu o Acorda entre aqueles que defendiam um projeto coletivista e os que defendiam carreiras solo para os músicos que integravam as fileiras do Movimento. Esse conflito levou à dissolução do Movimento em 1993.

Luzes e brilho para os sambistas: Trem do Samba

          Marcos Sampaio, conhecido, atualmente, como Marquinhos de Oswaldo Cruz, foi um dos fundadores do Acorda Oswaldo Cruz, tendo participado ativamente do Pagode no Trem como organizador e como músico. No Acorda, fazia parte do segmento que defendia a profissionalização dos músicos que integravam o Movimento. Desde a dissolução do Acorda Marquinhos tem investido na carreira solo. Lançou, em 2000, seu primeiro CD: Uma geografia popular.
          Em 1995, amparado na ideia de reedição do Pagode no Trem, lançou o Trem do Samba. Todo dia dois de dezembro, o Rio de Janeiro comemora o Dia do Samba. Desde1995, o Trem do Samba passou a ser uma das principais atividades dessa comemoração. A cada ano o Trem do Samba incorpora diferentes atividades, como a lavagem da estátua de Paulo da Portela, lavagem do busto de Zumbi dos Palmares, lavagem de escadarias de igrejas e os shows na semana que precede o dia dois de dezembro, entre outras.
          A narrativa fundacional do Trem do Samba elaborada por Marquinhos de Oswaldo Cruz tem duas características marcantes: primeira: apresenta o Trem do Samba como uma reedição do Pagode do Trem; segunda: relaciona as duas ações com o Samba no Trem dos portelenses da década de 1920. Portanto, para Marquinhos de Oswaldo Cruz, o Trem do Samba é uma continuidade do Pagode no Trem. Como ele tem se apresentado como idealizador e fundador deste Pagode, sua narrativa traz, por conseguinte, uma linearidade entre as duas ações.
          No ano de 2005 realizei uma observação mais intensa do Trem do Samba, acompanhando-o desde sua montagem, na estação Dom Pedro II, até Oswaldo Cruz. Digo observação mais intensa, pois frequentei todos os anos anteriores do Trem do Samba,  mas só em 2005 decidi realizar uma etnografia sobre o mesmo e a análise comparativa que ora apresento. Neste ano, o Trem do Samba  completava 10 anos, conforme amplamente divulgado por seus organizadores em faixas afixadas no palco de shows. O que indica um paradoxo entre sua fundação e a explicação de linearidade com o Pagode no Trem, pois caso as duas ações fossem uma mesma ação cultural o Trem do Samba teria, em 2005, 15 anos. O evento, em 2005, ocorreu numa sexta feira, o que fez com que muita gente aproveitasse o Trem do Samba como happy hour. Conforme minha observação esse ano afluíram mais pessoas que nos anos anteriores.
          O Trem do Samba tem início ainda na estação Dom Pedro II, onde diversos grupos de sambistas, incluindo as velhas guardas das Escolas de Samba - Portela, Estação Primeira de Mangueira, Império Serrano, Vila Isabel - se apresentam no palco montado. No ano de 2005 o palco foi montado na calçada em um lugar de passagem necessária para quem chega de ônibus da Zona Sul e embarca ou nos trens ou ônibus para a Baixada Fluminense. O palco montado em 2005 foi ladeado por duas grandes faixas onde se lia o nome do evento, a referência aos seus 10 anos e os nomes de empresas patrocinadoras . Além de local das apresentações dos grupos, serviu para informes diversos e para discursos.
          Cada grupo tem um tempo estipulado para sua apresentação, que varia conforme o tamanho e a importância do mesmo. Culmina tal empreendimento com a saída de trens, repletos, que fazem o percurso, sem interrupção, até Oswaldo Cruz. Em alguns desses quaisquer pessoas trens podem embarcar; em outros, mais concorridos - como os das Velhas Guardas -, somente quem possui credencial fornecida pela comissão organizadora.
          O som começou a ser testado às 15h25, para o show com início marcado para 17h. Mas às 15h algumas pessoas já circulavam pela gare esperando para assistirem ao show. Também alguns sambistas já circulavam com instrumentos musicais e vestidos de acordo com o grupo a que pertenciam.  Até as 16h muita gente se aglomerou nas cercanias da estação; nesse período de espera, um grupo de sambistas, que aguardava sua vez para entrar no palco, improvisou uma roda de samba que contou com a participação de Jair do Cavaquinho e Timbira do Surdo da Velha Guarda da Portela. Quase todo o público que esperava o show agregou-se em torno dessa roda de samba.
          O show sofreu um ligeiro atraso, começando por volta das 17h30, quando já era prevista a saída do primeiro trem que, em consequência, atrasou 30 minutos. A abertura do show foi feita pela bateria mirim de uma Escola de Samba que não consegui identificar, seguida pelo proferimento e música de Marquinhos de Oswaldo Cruz e do Ministro da Cultura, Gilberto Gil, que, ao contrário de Marquinhos, primeiro cantou e depois falou. Durante todo o tempo do show na estação Pedro II, a chuva não deu trégua, banhando o público - nos melhores momentos com uma garoa e, quase que na maioria do tempo, com uma chuva torrencial.
          Nesse ano foram destacados cinco trens especificamente para o evento. Em cada vagão estiveram presentes grupos ou pessoas que “animaram” o público até a chegada em Oswaldo Cruz. Oficialmente, os grupos e/ou pessoas que animaram foram os seguintes:

  • 1º Trem: Bip Bip; Velha Guarda do Império Serrano; Quilombo Pedra do Sal e Grupo Bom Boccado; Tia Doca; Nem Muda Nem Sai de Cima; Samba na Veia; Embaixadores da Folia; Partideiros do Cacique.
  • 2º Trem: Márcia Moura e Grupo República do Samba; Velha Guarda do Salgueiro; Negão da Abolição; Nossa Arte; Pagode do Nelsinho; Botequim do Martinho.
  • 3º Trem: Velha Guarda da Portela; Velha Guarda da Mangueira; Marquinhos de Oswaldo Cruz (que veio junto no vagão da Velha Guarda da Portela); Toque de Bamba; Velha Guarda de Vila Isabel; Grupo Regente; Grupo Senzala; Tia Gessy.
  • 4º Trem: Negras Raízes; Pagode do Claudinho; Toca do Rato; Helinho de Guadalupe.
  • 5º Trem: Mestre Faísca; Volta Pra Quê; Manga Preta; Tia Ciça; Pagode do Sambola; Clube do Samba.

          Além desses “animadores de vagão” apresentaram-se no palco da Central: Dorina; Xangô da Mangueira; Noca da Portela e Conjunto ABC da Portela. Fiz o percurso Dom Pedro II - Oswaldo Cruz no vagão da Velha Guarda da Portela, mas durante o transcurso minha observação ficou bastante limitada, pois o vagão estava tão lotado que me impossibilitou circular ou mesmo, em alguns momentos, me mover.
          Em Oswaldo Cruz a festa foi montada e distribuída por três palcos e dezessete rodas de samba, quase todas acontecendo em bares ou na proximidade dos mesmos.No entorno dos palcos forma montadas barracas que comercializavam bebidas e comidas.A opção de organizar a festa descentralizando-a em três palcos – nos anos anteriores só era montado um palco - tem como explicação prática a quantidade de pessoas que se aglomeravam em torno de um único palco, dificultando não só a assistência do show como também o comércio local. A cada ano o número de pessoas que frequentam o Trem do Samba parece aumentar, conforme os organizadores, no ano de 2005 havia cerca de 5000 pessoas.
          O primeiro palco foi montado na Rua João Vicente, esquina com Rua Vicenza, em frente ao conjunto habitacional - antigo BNH -, onde tradicionalmente são montados palcos para shows. O segundo palco foi montado na confluência das Ruas Átila da Silveira com Frei Bento, onde está localizada a Associação Atlética de Oswaldo Cruz. O terceiro palco foi montado na Praça Paulo da Portela, onde está localizada a Portelinha, primeira sede própria da Escola de Samba Portela.
          Tanto os shows nos três palcos como as rodas de samba aconteceram até por volta das seish da manhã do dia seguinte. Creio poder tratar agora (ainda que não tenha feito uma descrição etnográfica completa), do objetivo de meu trabalho, que é fazer uma análise comparativa das três ações que transformaram os trens urbanos cariocas em espaço para ações culturais e políticas.

Nos trilhos de uma análise comparativa

          Tanto o Pagode no Trem do Acorda Oswaldo Cruz como o Trem do Samba de Marquinhos de Oswaldo Cruz podem ser interpretados a partir do conceito de evento elaborado por Sahlins.
          Sahlins define evento como “algo complexo: é, ao mesmo tempo, um fenômeno, sui generis, com força, forma e causas próprias, e a significância que esses atributos adquirem no contexto cultural” (2004, p. 325). O autor qualifica os eventos como endógenos que seriam “a apropriação de fenômenos locais que têm suas próprias razões dentro e como condição de um esquema cultural histórico existente” (2004, p. 325).
          Ora, tanto o Pagode no Trem como o Trem do Samba se fundamentam numa leitura contemporânea do Samba no Trem da década de 1920. Nesta perspectiva, a ação dos portelenses acabou por construir uma realidade que ganhou significados alheios as suas intenções e mesmo a suas efetivas ações. Ou seja, quando o Acorda e Marquinhos de Oswaldo Cruz interpretam suas ações como sendo uma reedição da ação dos portelenses da década de 1920, sendo essa perspectivada como uma forma de resistência ao aniquilamento de um bairro ou a falta de espaço para os sambistas no universo artísticos, eles acabam produzindo uma realidade mítica que passa a existir independente de sua veracidade.
          As ações efetivas do Pagode no Trem e do Trem do Samba são metáforas dessa realidade e não ações que por si só dão conta de explicar esta realidade, mesmo porque o Pagode no Trem e o Trem do Samba têm conteúdos explicativos diferenciados. Ambas, entretanto, têm uma única narrativa fundacional: a “mítica” resistência dos sambistas da década de 1920. Todavia, possuem conteúdos motivacionais diferenciados. O Acorda com seu discurso denunciatório-comunitarista e Marquinhos na perspectiva artístico-empresarial.
          Tanto o Acorda como Marquinhos explicam suas intenções de reproduzir a viagem portelense a partir de uma leitura contemporânea que vê nas ações dos sambistas das décadas iniciais do século XX formas de resistência e de preservação. Explicando a história do samba e das relações sociais estabelecidas pelos sambistas com contextos sociais mais amplos a partir das ideias de espoliação e de marginalização, o que encaixilha, consequentemente, suas ações em uma lógica de resistência, de desalienação e de preservacionismo.
          O recurso de explicar uma ação contemporânea a partir da leitura da história passada, valendo-se de “conjuntos de enunciados que eram, na época de sua formulação, distribuídos, repartidos e caracterizados de modo inteiramente diferente” (Foucault, 2002, p. 25), caracteriza as narrativas tanto do Acorda como de Marquinhos sobre as ações culturais que têm o trem urbano como cenário.  A propósito, não é demais lembrar que o que tenho tentado mostrar é que a viagem dos portelenses da década de 1920 não era - pelo menos estruturalmente -, uma estratégia de resistência, mas um recurso criativo.
          Neste sentido, quando o Acorda e Marquinhos recuperam, na forma, a utilização do trem como espaço simbólico, eles reinventam tanto o samba como o trem da década de 1920.  Samba e trem transformam-se de transporte de massa e espaço de lazer em estratégia política denunciatória, no caso do Acorda, e artística mercadológica, no caso de Marquinhos.  Parece, no entanto, que entre as duas ações contemporâneas há diferenças significativa quanto ao conteúdo.
          O Acorda pretendia, com o Pagode no Trem, denunciar uma situação de espoliação urbana sofrida por outros lugares nas metrópoles brasileiras. Isto é, sua argumentação referia-se à falta de infraestrutura urbana num dos bairros considerados como influentes na Música Popular Brasileira.
          Marquinhos de Oswaldo Cruz, por outro lado, tem na preservação do espaço do sambista, enquanto profissional, sua principal argumentação. Para ele, a necessidade de existir o Trem do Samba é um indicativo de que existe uma realidade de espoliação contra os sambistas pelas mais diversas mídias e falta de espaço comercial para o ritmo e seus músicos.
          Uma questão aflora quando se observa as duas narrativas: quem é esse sambista? Para responder essa questão as duas ações contemporâneas racializam seus argumentos. Ou seja: o sambista do Acorda e de Marquinhos é o negro, faz parte da população afrobrasileira e, consequentemente, sua relação com os contextos sociais mais amplos é de discriminação e preconceito. Um dos panfletos distribuídos pelo Acorda dizia: “no início do século a polícia perseguia e prendia quem fosse flagrado cantando aquele ritmo de características africanas”.
          Costa Pinto apresenta no texto final para o Projeto UNESCO em 1953, uma visão das Escolas de Samba; diz o autor que nestas associações [...] nada existe de especificamente negro [...] o que há de negro nessas associações lúdicas populares é [...] a presença e a frequência de brasileiros negros [...] neste sentido, como divertimento de pobre, é que as escolas de samba são, no mais autêntico e peculiar significado brasileiro da expressão, divertimento de negro (1998, p.230).
          Nas duas ações o que percebo é a reinvenção da história portelense baseada não mais nos conflitos e dificuldades que a população carioca, seja ela preta ou branca, sofria no início do século XX, principalmente as parcelas suburbanas, mas uma classificação racializante. Isto é: os sambistas do Samba no Trem não eram oswaldo-cruzenses, ou pobres, ou trabalhadores: os sambistas eram negros.
          Esse parece ser um elemento comum a algumas análises atuais sobre o samba, conforme já citei. Gostaria de recorrer, neste ponto, não a um cientista social, mas a um literato. Quando, em 1937, o escritor alemão Stefan Zweig visitou o Brasil, admirado com o “panorama racial” de nosso país afirmou, num belíssimo texto, cuja longa citação me permito e que ao invés de repulsa, arrancou-lhe aplausos:

O Brasil não levantou ainda a questão de raça, porém, resolve esse problema a muito tempo, da maneira mais simples e feliz, ignorando por completo, desde decênios, o preconceito de raças pela origem, nacionalidade ou crença religiosa de seus cidadãos. Nessa imensa fornalha humana misturam-se, há séculos, os brancos, os amarelos e os negros; portugueses, alemães, italianos, eslavos e japoneses; cristãos, judeus, budistas e pagãos, não existindo nenhuma diferença e não havendo o menor atrito. Não se ergueu aqui, como na América do Norte, uma fronteira de raças; e não seriam muitos os naturais do país que a pudessem passar sem receio de confessar a sua verdadeira origem. [...] E as consequências, as consequências horríveis? – perguntará talvez, bastante assustado, um europeu. São excelentes essas consequências. Raramente se vêem no mundo mulheres mais formosas, crianças mais encantadoras, do que os filhos desses mestiços, que são finos de corpo e delicados de trato. [...] A mistura não decompõe; ao contrário, anima e dá forma. [...] Todos se sentem verdadeiramente cidadãos brasileiros (1937, p. 253).

          A interpretação que o autor faz de nossa miscigenação leva-me a pensar o quanto essas ações culturais que têm o trem como cenário, apesar da narrativa de seus organizadores, facilitam a perpetuação de nossa “fornalha humana”, onde “qualquer pessoa pode participar do samba” (Pinto, 1998, p. 225).
          Assim, o samba possibilita muito mais do que o milagre de abrir um coração, conforme diz o samba de Luiz Ayrão: “o samba fez milagre: reabriu, meu coração para a Portela entrar” (“Porta Aberta”); possibilita a mistura em um crisol de cores.
          A questão final que gostaria de tratar é a tentativa de relacionar essa postura de racialização do samba com novas formas de sociabilidades urbanas. Neste sentido, entendo o Pagode no Trem e o Trem do Samba como uma ação que possibilita novas formas de sociabilidades urbanas e menos como a reconstrução de uma história afrobrasileira, autêntica ou não. Tanto o Pagode no Trem como o Trem do Samba e, certamente, também o Samba no Trem, no passado, são possibilitadores do encontro de diferentes grupos e pessoas no espaço urbano que vão transformando um simples meio de transporte em uma forma de agenciar cultural, política e simbolicamente as hierarquizações sociais.  Mas há uma diferença, e que não gostaria de desprezar, que se refere à questão de saber quem são os indivíduos (ou grupos) que exercem a agência nas três ações. No Samba no Trem a facilidade do encontro em função da volta do trabalho e a falta de uma referência pretérita não autorizam a falar em um agente-indivíduo, mas em agenciamentos, num exagerado plural. Os sambistas e os não-sambistas misturavam-se com o objetivo de transformar aquelas horas da viagem de trem em um momento lúdico. Não há, portanto, um agente que se destaque ou mesmo que lidere, pois mesmo a referência a Paulo da Portela não o transforma em idealizador do espaço, que passa as ser ocupado por todos os presentes, sem opção de querer ou não querer estar ali, uma vez que não havia muitas alternativas de transporte urbano no início do século XX no Rio de Janeiro. O que quero afirmar é que os passageiros, fossem ou não pertencentes ao universo do samba, “participavam”, obrigatoriamente, daquela ação transcorrida no trem.
          No Pagode no Trem a ação passou a ser produzida por um Movimento Social, que tinha como objetivo, através de uma ação cultural e, portanto, também lúdica, conscientizar parcelas da população, inclusive para além das fronteiras do bairro de Oswaldo Cruz, sobre um processo de conquista política. A agência, por conseguinte, neste caso, é coletiva e fixou suas marcas na ênfase de alguns aspectos da realidade cotidiana: falta de infraestruturas urbanas, falta de reconhecimento cultural, falta de conscientização de moradores e da população carioca para o valor que Oswaldo Cruz assume na Música Popular Brasileira.
          O Trem do Samba, por sua vez, diferentemente das duas ações anteriores, produz-se a partir de uma lógica mercadológica. Já não são mais sambistas em busca de momentos de lazer, ou moradores em busca de “acordar” um bairro, mas músicos profissionais que têm o objetivo de obter sucesso e uma relação com a população a partir da lógica da ilustrabilidade. O objetivo já não é mais, insisto, o lazer ou a conscientização, mas a profissionalização, o que, consequentemente, exclui uma significativa parcela de músicos não profissionais e transforma a população em espectadora. A agência, neste caso, é exercida pelos organizadores do Trem do Samba. Mesmo que as assimetrias entre as ações possam ser sublinhadas em seus conteúdos, as formas de inserção no contexto urbano trazem a possibilidade de novos reordenamentos, pois, independente de quem exerce a agência (coletivo ou indivíduo), nas duas ações contemporâneas a população de uma forma geral está presente em massa.  Essas ações, portanto, possibilitam um reordenamento das identidades sociais quando “oferecem” à população um espaço de heterogeneidade e de mistura, minimizando, consequentemente, as hierarquias sociais e as formas de pertença territoriais e étnicas. Quando, por exemplo, observei uma das rodas de samba no evento do Trem do Samba de 2005 e a comparei com a (única) roda de samba que acontecia no Pagode do Trem, percebi que em ambas não havia nada que interditasse a participação das pessoas; se não o faziam como músicos, pelo menos como eram alcançadas pelo samba. Todas as pessoas, sejam as “conscientizadas” pelo Pagode do Trem, sejam as “espectadoras” do Trem do Samba têm acesso a uma forma peculiar de fazer cultura, através do samba. Se aceito como válida a argumentação de Hermano Viana de que o samba não é apenas a criação de grupos de negros pobres moradores dos morros do Rio de Janeiro, mas que outros grupos, de outras classes e outras raças e outras nações, participaram desse processo, pelo menos como “ativos” espectadores e incentivadores das performances musicais (2004, p. 35) é licito afirmar que o Pagode no Trem e o Trem do Samba são duas ações que concorrem para a formação desse espaço de perpetuações e criação do samba e da sociabilidade da população em torno da música. O que quero dizer é que tanto o Pagode no Trem como o Trem do Samba possibilitam o reordenamento das pertenças de cada sujeito que deles participa, seja esse sujeito um movimento social, um artista ou indivíduos isolados. Há a possibilidade de transformação das relações sociais e das mais diversas representações étnicas e territoriais.
          Conclui-se, daí, que as três ações podem ser consideradas eventos que irrompem e modificam a ordem estabelecida e que mudam o “fluxo histórico-cultural de forma tão definitiva que nada poderá ser o mesmo após sua ocorrência” (Sahlins, 2004, p.325).  Neste sentido, o trem urbano carioca passa a ser um espaço privilegiadíssimo de encontro e mistura e de formação de novos padrões de sociabilidade. O samba, portanto, tanto o do Pagode no Trem como o do Trem do Samba e (por que não?) o do Samba no Trem não está ligado a esse ou aquele aspecto das particularidades urbanas, mas à possibilidade de explicitação da situação multifacetada da urbanidade. Para concluir, gostaria de dizer que, dentro do trem, não cabe perguntarmos se somos brasileiros, cariocas, macumbeiros ou crentes, vascaínos ou santistas, direita ou esquerda. No trem, assim como no samba, somos todos apenas brasileiros!

Notas

  • Dom Pedro II, Praça da Bandeira, São Cristóvão, Maracanã, Mangueira, São Francisco Xavier, Riachuelo, Sampaio, Engenho Novo, Méier, Engenho de Dentro, Piedade, Quintino Bocaiúva, Cascadura, Madureira, Osvaldo Cruz, Bento Ribeiro, Marechal Hermes, Deodoro. Ainda faziam parte do ramal: Rocha, Silva Freire, Todos os Santos e Encantado, atualmente desativadas.

  • Passar o samba é uma expressão que se refere a cantar um samba novo, várias vezes, para que as pessoas aprendam sua letra e melodia, recurso utilizado quando ainda não havia a prática de gravação.

  • Há alguns informantes que dizem que a viagem Central – Oswaldo Cruz demorava cerca de 2 horas. Mesmo sem ter informações precisas do tempo de viagem, podemos tomar o tempo atual, com trens modernos, que é em torno de 35 minutos.

  • No dia 6 de setembro de 1991 um consórcio entre os vereadores Chico Alencar, Edson Santos, Fernando William, Ruça e Sérgio Cabral entregou a Medalha Pedro Ernesto a alguns integrantes do GRES Portela: tia Eunice, Jorge do Violão, Alberto Lonato, Mauro Diniz, tia Surica, Argemiro Patrocínio, Cabelinho, Casemiro da Cuíca, Osmar do Cavaco, Armando Santos, Monarco, Manacéa, Dodô, Casquinha e tia Doca. As homenagens póstumas foram feitas a: Caetano, Mijinha, tia Vicentina, João da Gente, Rufino, Chatin, Paulo da Portela, Ventura, Chico Santana, Aniceto, Alcides Histórico, tia Iara, Alvaiade.

  • Patrocinadores: Petrobrás, Ministério da Cultura, Eletrobrás e Governo Federal. Apoio: Caixa Econômica Federal, Supervia e Prefeitura do Rio de Janeiro. Promoção: Jornal O Dia.

  • Não foi possível verificar se tais grupos e/ou pessoas estavam realmente nos vagões.

Webgrafia:

Bibliografia:

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Nilton Rodrigues Junior
Mestre em Antropologia e doutorando pelo Programa de Pós Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

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