Nem luxo e nem lixo: A preservação da cultura das escolas Brasil afora

 

          Não, não é mais uma referência ao desfile da Beija-Flor “Ratos e urubus larguem minha fantasia”. O que venho tratar neste espaço agora é sobre as dicotomias que existem ao redor do fato escola de samba no Brasil. Algo que se estabelece fora do eixo Rio de Janeiro e São Paulo, que aparenta ser um espelho às avessas da realidade dessas duas cidades e forma uma verdadeira batalha contra o processo de extinção.
          Obviamente, o capital investido pela iniciativa pública, seguida pela privada, é determinante na viabilização dos desfiles e de todo processo de crescimento da cultura escola de samba em qualquer lugar. Como a origem do movimento foi na capital carioca, parte da história se repeti nos mais longínquos municípios desse nosso país. Agremiações enfrentam problemas sérios que colocam tragicamente em risco sua existência, o sonho de alcançar sustentabilidade para o fenômeno em outras partes do Brasil está diretamente condicionado às decisões políticas, que quase sempre são negativas. Muito mais do que a busca por recursos financeiros, inúmeras escolas de samba esbarram atualmente com a dificuldade de desenvolvimento e perpetuação da cultura orientada para o samba. Sem ter qualquer pretensão de seguir o caminho da espetacularização e de ganharem grande visibilidade, na maioria dos casos percebe-se que a intenção tem como foco central promover interação, proporcionar entretenimento através do canto, da dança e da fantasia.
          É sabido que o samba de forma geral divide espaço com outros ritmos que já integram o carnaval atual, o que por um lado é positivo e mostra a pluralidade da festa. Mas, as agremiações esbarram em entraves bem mais sérios e complexos, especialmente como a falta de incentivo e apoio para apresentarem seus desfiles. Em alguns casos, a tentativa de promover a interação com a comunidade, desenvolvendo atividades de caráter social, encontra fortes resistências de naturezas diversas. O que me leva a pensar que, se as escolas de samba do Rio de Janeiro tivessem surgido há pouco mais de dez anos, provavelmente não se tornariam símbolo nacional, tampouco resistiriam a tantos fatores contrários.
          Um país com uma diversidade cultural tão grande e que tem como ícones o futebol e o carnaval, merece dar melhor tratamento à cultura carnavalesca de suas escolas de samba. Afinal, por milhares de quilômetros afora, ainda acredita-se no samba como promotor das transformações sociais, propiciador do acesso à cultura e como veículo de manifestação popular. Os patrimônios imateriais são modos específicos de pensar e de ver o mundo, onde se incluem as danças, o artesanato e diversos tipos de cerimônias, danças e artesanatos. Por que não transformar o gênero que se propagou por todo nosso país, que se institucionalizou do Rio de Janeiro e percorreu Brasil e que luta por sobrevivência em outros locais como patrimônio imaterial cultural nacional? Por que definir de forma quase cartesiana onde tudo tem que está? Por que não começamos a ter uma visão mais global de nosso próprio país?
          É interessante saber que uma escola quase anônima de uma cidade pouco conhecida tem como madrinha a Portela ou a Mangueira. É emocionante descobrir que em nossas imensas terras, muitas pessoas comungam do mesmo apreço por escolas de samba e podem vivenciar isto na plenitude máxima que cada realidade pode oferecer.
Não se trata, neste caso, de ter ou não ter luxo, mas de solidificar estruturas e legitimar / preservar a cultura carnavalesca. Afinal, o samba vive clamando por vida e as primeiras barreiras que devemos derrubar para nosso desenvolvimento são as internas. Está aí um caminho a ser seguido, ou melhor, a ser construído.

Alessandro Ostelino
(Alessandro Ostelino é relações públicas, pesquisador de carnaval e pós-graduando em educação superior)

 

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