O apagão do samba

 

          E o apagão do samba? Este o próximo, primeiro na lista de preocupações da coluna para o carnaval. O samba pode ser o ópio do povo e o carnaval, apesar da mudança indigesta das ruas para a telinha, segue sendo o evento que nos transforma em um país tropical abençoado por Deus.
          Quem se lembra do ultimo samba bom que ouviu na avenida? Samba bom é aquele que compra um mini-fundio na nossa memória e lá permanece cantado para sempre. Samba bom é aquele que carrega a escola na avenida cantado em coro pelas arquibancadas e que duas semanas antes do carnaval pode ser ouvido pelo Rio afora na boca do povo.
          Samba ruim é aquele que a gente canta enquanto a escola passa, decora o refrão e na manhã seguinte já aparece como um gosto ruim na boca e com cheiro de ressaca.
          Um amigo da coluna que entende do tema disse que o apagão do samba se deve a três motivos principais. O primeiro, mais evidente, são os enredos comprados. Por mais criativo que sejam nossos sambistas é sempre complicado fazer samba em homenagem à Petrobrás. Venezuela ou Poços de Caldas (sem nenhuma ofensa à nobre cidade, que a coluna já visitou várias vezes), também são temas de enredos comprados de difícil digestão sambística (sic). Ficar achando rima em refrão para Sapucaí todo ano também não é moleza.
          O tempo do desfile, aquele elemento chave para acomodar o carnaval na telinha, também tem culpa no cartório. Os desfiles acelerados, diz nossa fonte, transformaram os sambas enredo em marchinhas de propaganda do patrocinador do desfile.
          A terceira parte da culpa cabe aos “escritórios” do samba. São grupos de compositores que se reúnem para fazer samba de comércio. Usam uma formula básica que sempre dá certo e todos os sambas entram na avenida com a mesma cara. Com pouco rodízio entre os compositores nas escolas, fala a fonte catedrática em samba, qualquer marchinha mequetrefe pode ter sua noite de glória na avenida.
          Cuidado com o apagão do samba. Quem avisa, amigo é. As implicações são muitas. Tem até implicação positiva, por incrível que pareça. O ressurgimento dos blocos no Rio, com show de criatividade nos nomes e nas letras é o melhor da festa. Mostra que o samba tem sete mil vidas. Enquanto as escolas marcham para a telinha na avenida, a nação carnavalesca pode se acabar em qualquer rua nos braços de um bloco. Que o carnaval chegue logo, o ano novo já começa a ficar chato.

Mário Andrade e Silva
(Publicado originalmente no site Direto da Redação em 04/02/2007)

 

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