Não! Não deixem o samba morrer...

 

            Obviamente, muitos artigos, listas e fóruns tentarão buscar justificativas para o resultado dos desfiles das escolas de samba. Porém, um fato deve ser concebido: as escolas estão orientadas para produzirem shows e anualmente se afastam da concepção de carnaval.
            Como muitos, já protestamos contra a idéia de colocarem os desfiles numa data fixa, fugindo do período carnavalesco, compreendemos hoje que além de fundamentada a idéia é capaz de ser viabilizada. A linha que divide os Grêmios do carnaval parece se tornar mais acentuada. Não é admissível que a vencedora da disputa tenha erros grotescos em técnica e plástica. O samba pode até ser mediano e não necessariamente tem de vir no pé, mas é indispensável que o gigantismo e o brilho estejam em primeiro plano. Estas afirmações não têm relação alguma com o nobre título da Vila Isabel, mas se relacionam diretamente com a lógica capitalista instaurada. Os saudosistas se frustram anualmente na expectativa de encontrarem uma manifestação mais orientada para o samba e para o povo, um sonho que parece estar cada vez mais distante.
            O tom pode até parecer pessimista, na verdade é mesmo conformista, num sistema que devagar veio se estabelecendo e de vez tomou conta de tudo.
Por mais que as escolas se transformem em grandes empresas, que administrem com eficácia e de maneira inovadora seus quesitos, ficará sempre a maior espera por parte dos apaixonados que a humanização e o calor estejam presentes na festa - acima de qualquer título ou valor.
            Num tira põe, sobe e desce, o universo das escolas se diversifica, sem deixar pra trás a referência de maior espetáculo da terra. Assim, atravessa a Sapucaí sob o olhar de estrangeiros, com passos marcados, luxuosidade e tentando se encontrar entre sua rica história e seu futuro imprevisto. E, nesse contexto que a televisão lança seu tendencioso olhar sobre as escolas de samba, Império, Portela e Mangueira fizeram da força e da tradição seus desfiles de 2006. De maneira menos visível, quase que timidamente, Renascer de Jacarepaguá apresentou de forma competente a crítica aos poderes de nosso país. Desfiles que falam além do enredo, carregados de discursos sociais, que traduzem a alma dos sambistas e que somente alguns serão capazes de conectá-los.
            E assim se configura uma nova forma de fazer carnaval, legitimada e ancorada em preceitos nunca vistos numa festa popular. De início, ela deixou de ser popular em troca da beleza visual e da capacidade de criar dos nossos carnavalescos. Atualmente, o carnavalesco se tornou a peça mais importante de uma escola, afinal acadêmicos das artes, se sobrepuseram a tudo que concerne uma escola de samba. Partindo do zero, para montar uma escola de samba, precisamos de uma bateria, uma comunidade para carregar os delírios de um carnavalesco, e só. O resto, é “ajeitado”. Um ótimo carnavalesco é imprescindível, e gente do samba, vai ficando, cada vez mais, apenas no valor simbólico da coisa, atravessando a avenida dando tchauzinhos, escondido no meio das mil parafernálias de materiais novos  que os estudiosos colocam de maneira linda e covarde.
            Mestres de bateria, passistas, cabrochas, mulatas, pandeiristas, casais que dançam samba, velha guarda, baianas, insistem em existir num universo puramente estético, onde valores foram trocados. Samba no pé então, é coisa de macaquitos, pois onde já se viu, sair alucinadamente cantando um belo samba e se divertindo ao som de uma bela bateria, isso é coisa de maluco alucinado. Tem que ser”chic”, tem que ter “punch”, tem que ser “fashion”, tem que mostrar aquilo que nada somos, mas globalísticamente  imprescindível. Explosão de alegria e crítica social, nem pensar! Atrapalha a evolução das cangalhas e tira a atenção do trabalho plástico feito com “muito carinho” e entra em choque com o pensamento vigente.
            Bom, em cima dessa forma, temos duas maneiras de entender e situar nossa posição. Uma, será o jogo completo de disputas que um “campeonato” expõe, e outra será ver um desfile de escola de samba. Encravada em competições temos várias escolas que seguem a risca este intuito, mostrando o quão é importante socialmente ser campeão dos desfiles e outras mostram quão importante é fazer um bom desfile de escola de samba. O desfile atualmente está dividido entre estes dois grupos, com escolas dançando entre as duas formas. Lógico que a maioria das escolas quer unir as duas formas, mas é algo que se torna cada vez mais difícil, pois se ela for escola de samba, se afasta dos jurados, e se desfila para jurados, deixa de ser escola de samba. Como unir estas duas formas? Este será o grande desafio daqui para a frente. A Vila conseguiu, mas sua legitimação é muito mais por vencer uma Grande Rio desagradável, do que por qualquer outro mérito, tanto que se fala muito mais na perda do título pela Grande Rio, do que da conquista da Vila. Uma pena, afinal antes do carnaval, foi uma das escolas mais criticadas pelo seu enredo e principalmente por seu samba, que na avenida, fez todos cantarem em alto e bom tom.
            Não sabemos agora, que caminho o carnaval tomará, mas com certeza ainda acredito que a forma de desfiles para jurados, perdurarão por um bom tempo, pois desfilar como escola de samba é importante, mas ganhar um título sendo bela e perfeita, é muito mais. Ainda bem que em 2006, tivemos Vila, Império, Mangueira e Portela, mas até quando a resistência agüentará sendo que cada vez mais estas escolas estão sendo encostadas na parede?
            Tomara que não morram jamais!

Alessandro Ostelino e Sambaman
(Alessandro Ostelino é Relações Públicas, Pesquisador de carnaval e Pós-graduando em Educação Superior)

 

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