A escola de samba é nossa maior referência em gestão

 

           Um dos resultados que as empresas mais buscam nos seus sistemas de gestão continua sendo uma fórmula para encantar ou satisfazer o cliente. E que ao mesmo tempo crie um clima interno de coesão grupal e comprometa seus colaboradores de forma criativa e com entusiasmo. Ou seja, alinhando interesses coletivos
e individuais de maneira satisfatória e produtiva, para ambos.
           E o curioso é que, enquanto continuamos fazendo experiências com modelos e gurus de outras realidades culturais, temos, aqui mesmo, uma das estruturas mais fantásticas de satisfação do cliente, equipe integrada e altíssimos índices de motivação individual.
           Refiro-me a um fenômeno que encanta tanto o brasileiro, como os estrangeiros. É a escola de samba. E ela pode ser vista como um processo de estruturação coletiva e individual da alegria, que é contagiante e enche os nossos sentidos - visão, audição, etc. - de encantamento.
           Convido o leitor para que faça um exercício, e vença o preconceito de encarar a escola de samba apenas como uma manifestação da cultura popular. Se possível ainda, não se deixe contaminar na sua análise pela influência e domínio que a contravenção exerce sobre o carnaval brasileiro. Ou até o crescente processo de comercialização da festa de Momo.
           Coloquemos nosso olhar sobre a escola de samba como uma organização que não funciona apenas no carnaval. Ela gera empregos, desenvolve sistemas, estimula a criatividade e, simultaneamente, exige um alto grau de gerenciamento e estruturação.
           O alegre espetáculo que vemos no sambódromo, combinando luz, cores, coreografia e som, é o resultado de muito trabalho, competência e dedicação. Ele não ocorre por acaso.
           Entre os estudos sobre este tema merece destaque a pesquisa da antropóloga Maria Júlia Goldwasser, apresentado no livro "O palácio da samba - Estudo antropológico da Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira".
           Diz ela que "a Mangueira se configura como uma solução entre o princípio de estrutura, dada sua ordenação institucional, e o princípio da antiestrutura, dado seu caráter carnavalesco. Ou seja, é sua antiestrutura estruturada que representa sua contradição essencial."
           Prossegue afirmando que "a escola, em si, é uma totalização dessas duas tendências: o desfile de carnaval, como sistema de ação ritual, e a organização formal da escola, como sistema de ação técnico-racional. Ambos se projetam como modelos, simétricos e inversos, na mesma estrutura. São configurações limites dentro do mesmo grupo de transformações. A ação técnica da escola se traduz num processo de burocratização ainda incipiente que é ditado pelas exigências de uma organização empresarial em formação, resultado da construção e administração de uma sede própria de porte considerável. E aí também se assistem intervirem claros elementos de ritualismo sobre a prática decisória diária."
           Segundo Maria Júlia "existe uma relação de necessidade entre a escola-empresa e a escola-desfile, em seus respectivos graus de estruturação: é da dramatização, encenada no desfile, que se deriva o significado de toda prática efetuada no decurso do ano. Enquanto isto na escola-empresa geram-se os recursos necessários à efetivação deste. É por isso que a evolução da escola se confunde tão de perto com a do desfile, como dois processos correlatos e simultâneos."
           E quando olhamos a escola, na perspectiva de uma estrutura, podemos localizar as "alas" como departamentos. Lá estão a dos compositores, da bateria, das baianas etc. Todas subordinadas à diretoria da escola e comissão do carnaval.
           Através das declarações de um diretor da escola pode se verificar o grau de disciplina exigido dos seus componentes. Diz ele que "para conseguir uma disciplina mais sólida organizei um estatuto com os companheiros. Ele não era registrado, mas quando a turma compreende o que é um estatuto, age com mais responsabilidade. Inclusive foram admitidos, demitidos e expulsos alguns, com base neste regulamento."
           Considerando que a escola de samba se apóia sobre um tríplice fundamento para uma execução "sambística" completa, que compreende, canto, dança e ritmo, podemos entender, e valorizar mais ainda, a beleza que apreciamos no sambódromo.
           Eis uma experiência digna de ser olhada por nossos acadêmicos, consultores, executivos e empresas, com maior interesse e menor preconceito. E ela está à nossa disposição aqui no Brasil.

Renato Bernhoeft
Renato Bernhoeft é presidente da Bernhoeft Consultoria
(Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 20/02/2006)

 

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