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O Enredo no Samba: Estrutura discursiva
Importante notar que o enredo deste antigo samba teve de ser recriado pelo carnavalesco a partir do próprio samba, visto não existir registro sobre o mesmo na época em que foi elaborado, na década de 60.
O samba, inspirado na música “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, apresenta a todos uma viagem pitoresca por todas as regiões do Brasil, embora hoje pareça que o Sul tenha ficado de fora. Porém, lembramos que, na época em que o samba foi composto, a divisão geográfica oficial do Brasil era outra e São Paulo, até 1969, figurava como Estado da região Sul do país. Todo o Brasil, portanto, foi representado na composição.
“Do Leste por todo o Centro-Oeste”
(desenho do mapa do Brasil com antiga divisão regional)
Este samba de exaltação, popularizado na voz de Martinho da Vila, é considerado um dos mais belos sambas-enredo da História do Carnaval e seu autor, Silas de Oliveira, considerado um mestre do gênero, conhecido como samba de lençol, caracterizado por longos versos, pelo caráter predominantemente descritivo e ausência de refrãos.
O Samba no Enredo: Estrutura lingüística
O samba possui vocabulário rebuscado natural do período em que foi feito. O compositor procurava então equiparar sua produção textual ao luxo e ao brilho do desfile, ao mesmo tempo em que tentava igualar sua produção discursiva aos moldes dos textos de livros escolares para ter valor social reconhecido numa manifestação cultural bastante marginalizada como era o carnaval.
O texto, uma rápida e eficaz aula de Geografia, apresenta um narrador apontando as características principais de cada região brasileira, numa viagem tranqüila e feliz, da qual muito desfrutou. O vocabulário da área semântica geográfica permeia toda a letra: Brasil, cercanias, Amazonas, seringais, Pará, Ilha de Marajó, coqueirais, Ceará, Bahia, matas, Ipu, Pernambuco, Brasília, arquitetura, garoa, serra, São Paulo, terra, Leste, Centro-Oeste, Rio, verdes matas, cachoeiras, cascatas, céu,.
Mesmo que predomine o rebuscamento vocabular, a forma de narrar na 1a. pessoa do singular e o emprego dos pronomes adjetivos esta/este imprimem subjetividade à narrativa. E há um trecho em que a forma coloquial aflora, devido à feição oral do texto: “Quando cheguei na Bahia”, pois a forma gramatical correta seria: quando cheguei à Bahia.
Convém esclarecer que é comum as composições de caráter popular apresentarem construções próprias da linguagem coloquial, em virtude de serem destinadas à oralidade, ao canto. Tais construções sintáticas bem próximas da linguagem cotidiana, presentes em textos musicais como o samba-enredo, são necessárias e perfeitamente toleráveis, por razões de ritmo, pronúncia e até do feitio característico da tipologia textual e do seu público. Por isso, não se pode tirar o mérito desta composição como obra-prima, considerada antológica na história do carnaval carioca por apresentar em um de seus versos um fato estilístico usual que em nada compromete o seu conteúdo final.
Nota-se ainda a intensiva adjetivação afetiva do texto, que o aproxima mais da poesia, já que é na esfera do sentimento que o poeta se exprime:
-
Vastos
seringais,
-
velha
cabana,
-
lindos
coqueirais,
-
verdes matas
Silas imprimiu grandiloqüência ao enredo, característica própria do texto épico, ao empregar as expressões “episódio relicário”, “sonho genial” e “radiante de alegria”. Além disso, há a presença de símbolos patrióticos de nossos hinos cívicos, como “verdes matas” e “céu azul de anil”, por se tratar de um samba-enredo de 1964, pautado em um samba de caráter nacionalista e ufanista, de Ary Barroso.
Quanto às formas verbais, o compositor, com muita habilidade, empregou verbos no presente, passado e futuro com intenções discursivas diversas. O tempo presente serve para elogiar (“É um episódio relicário” e “Tudo
é belo e tem lindo matiz”) ou para indicar permanência da característica apresentada (“Brasília
tem o seu destaque”, “São Paulo engrandece a nossa terra” e “emolduram aquarela, ô meu Brasil”). O tempo passado indica o desenrolar narrativo com ações concluídas (escolheu, conheci, deparei, fiquei, cheguei, assisti). E o tempo futuro, que aparece apenas no início do samba na proposição épica do enredo, anunciando-o ao público (“E o asfalto como passarela
será a tela do Brasil em forma de aquarela”). O samba apresenta uma estrutura rítmica peculiarmente poética: há predominância pela distribuição ao longo da letra de rimas emparelhadas, cujo som das palavras postas no final do verso rima com o final do verso seguinte. Tal construção rítmica facilita o canto e a memorização do samba pela semelhança sonora das palavras escolhidas.
Bibliografia:
- “Enredos – Rio
Carnaval 2004” , da LIESA.
- “Palavras de Purpurina” , Rachel Valença
- “Imagens da História do Brasil Nos Sambas-Enredo”, Geralda Magela da Purificação Longhi
- “Para Tudo Não Se Acabar Na Quarta-Feira – A Linguagem do Samba-Enredo” – Julio Cesar Farias
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