O Carnaval morreu

 

          A tradicional festa de Momo não se compara ao que já foi há alguns anos. Jornalista do Rio de Janeiro deplora desanimação das ruas e acredita que o público se cansou de tudo.

           “Triste, muito triste, desenxabido mesmo, o carnaval deste ano. Um carnaval aguado! Houve, de certo, muito baile alegre e animado, muita festa divertida. Nas ruas, porém, urbis, o carnaval foi triste, muito triste. Não aquela febre de outrora, que enchia e atopetava as ruas. Jamais eu vi a rua do Ouvidor tão vazia durante os dias de carnaval: nunca notei menos entusiasmo da população fluminense. Desanimação de parte a parte, enfim.
          As ruas quase vazias; eu e mais dois amigos pudemos passear os três de fronte erguida. Jamais Momo se viu tão desprezado pela população do Rio de Janeiro. A cidade, calma, assistia sem entusiasmo, sem a febre de outros anos, ao desfilar dos carros de idéias. Por que essa mudança, por que essa transformação? Será porventura que os diletantes estão cansados? Ou que os carnavalescos compreenderam finalmente que não era muito glorioso o papel de divertir os outros, sem divertir-se a si?
          Pois justamente é este, desde alguns anos já, o caráter do carnaval no Rio de Janeiro. O carnaval não é mais absolutamente o que já foi.
          Antigamente, os que festejavam Momo, os que faziam do carnaval um motivo de festa e divertimento, divertiam-se divertindo, faziam rir o público, rindo eles igualmente, zombando às vezes, às vezes sendo zombado. E o carnaval era assim um belo e prazenteiro divertimento.
          Hoje tudo isso está transformado, mudado completamente. Os carnavalescos de hoje não conhecem, na sua maior parte, a sociedade fluminense, não a freqüentam, não podem, portanto, nem criticá-la e nem interessá-la.
          Chegou pois o cansaço do público e dos carnavalescos. O carnaval tornou-se de mau humor e, portanto, impossível; morreu; está morto aqui, como em todas as cidades da Europa.
          Deixemo-lo, pois, de uma vez, em paz.
          Parce sepultis.

          Se o leitor pensa que este texto é de autoria de algum comentarista irado com o que considera o desvirtuamento do carnaval de rua em favor da supremacia das musas televisivas, do silicone, da descaracterização musical, da subordinação da espontaneidade das ruas ao espetáculo global e aos camarotes vips, da comercialização excessiva, do elitismo das escolas de samba etc. etc., está mais do que redondamente enganado. Acima estão trechos de uma amarga crônica de um certo Julio Dast, estampada como editorial da Revista Illustrada, de 20 de fevereiro de 1884. A Revista foi uma publicação que marcou época entre 1876 e 1898, editada em sua fase áurea pelo genial caricaturista ítalo-brasileiro Ângelo Agostini (1843-1910).
Como se vê, o fim do carnaval já foi decretado há muito tempo. E não é de hoje que se deploram os carnavais “de hoje”.

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista da Agência Carta Maior, é autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo) e observador, a convite do CNE, no processo do referendo revogatório na Venezuela.
(Publicado originalmente na Carta Maior em 24 de fevereiro de 2004)

 

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