Mulheres que duram 3 dias

 

          "Tem gente que acha que o carnaval começa lá pela metade do ano, quando as escolas de samba começam a escolher seus enredos. Pode ser. Mas o clima é outro. A escolha dos sambas-enredos mistura-se com o 7 de Setembro, com Finados, com o Natal. Assim não vale. Tem também quem considera o início do carnaval a época em que a Riotur ou a Liga das Escolas de Samba - atualmente, a gente não sabe direito quem manda no Sambódromo - dá a partida na venda de ingressos para o desfile. Todo ano é a mesma coisa. As bilheterias se abrem e já estão esgotados os camarotes, as frisas, as cadeiras de pista. A Liga - ou a Riotur, sei lá - explica que já havia reservas, que são compradores fiéis, etc. etc... A verdade é que, uma semana depois, os mesmos ingressos aparecem nos anúncios classificados com preços absurdamente mais altos que os oficiais. É 171 mesmo. Não dá para começar o carnaval com um 171. Para mim, o carnaval só dá as caras quando aquelas mulheres, que só existem na Passarela do Samba, surgem na ... como é que elas dizem mesmo? - ah, na mídia.
          Acho que essas mulheres ficam o ano inteiro trancadas numa gaveta e, quinze dias antes do sábado de carnaval, saem já fantasiadas com um biquíni, algumas lantejoulas e uma pluma. Parece que, para elas, o carnaval é uma vitrina. Da Sapucaí, elas alcançariam outras postos. Será? É verdade que uma ou outra apareceu como madrinha de bateria e virou socialite. Uma ou outra? Não. Só uma. Tem ainda outra que conseguiu um personagem na ‘Escolinha do professor Raimundo’. E acabou. Vamos falar a verdade: nenhuma mulher saiu do Sambódromo direto para a novela das oito, para um filme de Cacá Diegues ou para uma peça do Moacyr Góes. Bem, para uma peça do Moacyr Góes é bem capaz de ter saído. Ele adora revelar o talento que se esconde por trás de uma popozuda. Mas, enfim, nada que tenha transformado a Sapucaí em trampolim para o Oscar. Na maior parte das vezes, as mulheres que só aparecem no carnaval usam a Passarela do Samba como vitrina para ficarem famosas como mulheres que só aparecem no carnaval.
          Na semana passada, vi duas ou três fotos de Magda Cotrofe nas revistas que se dedicam à vida das celebridades. Magda Cotrofe na mídia? Não tenho mais dúvidas: é carnaval.
          A anunciada volta de ‘A grande família’, com elenco renovado, vem injustiçando uma sitcom - em bom português, é assim que se chama agora a velha comédia de costumes - dos anos 60 que merece todos os créditos de pioneira do gênero. ‘A grande família’, de Vianninha, sucesso dos anos 70, foi uma encomenda da Globo que buscava um similar de ‘All in the family’', atração bem-sucedida da TV americana. Em ‘All in the family’ havia um pai reacionário, uma mãe abilolada, uma filha certinha e um genro encostado. Na versão brasileira, à família foram acrescentados um filho hippie e outro, subversivo. Assim, o programa ganhou a cara do Brasil daqueles tempos. Mas perdeu o principal atrativo do modelo americano: o humor politicamente incorreto. O chefe da família estrangeira era racista, preconceituoso e homófobo e grande parte das situações e das piadas do seriado era calcada nessas características da personagem.
          No Brasil, o programa sempre foi muito engraçado. Mas não tinha nada a ver com a graça perversa do similar estrangeiro. É por isso que acho ‘A grande família’ muito mais parecido com ‘Gente como a gente’ do que com ‘All in the family’. ‘Gente como a gente’ era exibido pela TV Record. Escrito pelo psicanalista Roberto Freire, contava o dia-a-dia de uma família da classe média baixa em São Paulo. O pai, conservador, era Felipe Carone. A mãe, sempre compreensiva, era Lélia Abramo. Os filhos eram Irina Grecco (a certinha), João José Pompeo (um jogador de futebol) e Silnei Siqueira (o estudante universitário). Era uma família com muitas semelhanças com a de Vianninha. E não é absurdo imaginar que ‘Gente como a gente’ tenha influenciado ‘A grande família’. Quase todo o elenco do programa da Record fazia parte do Teatro de Arena paulista. Vianninha também."

Artur Xexeo
(Publicado originalmente no Jornal O Globo em 07/02/2001)

 

Artigos