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São
da maior importância as sucessivas matérias do Globo sobre as perigosas
e cada vez mais visíveis relações entre as escolas de samba e a contravenção.
O assunto
é tabu, desses que todos conhecem mas ninguém tem coragem de investigar.
O jornal carioca está rigorosamente sozinho: os concorrentes locais não
têm estatura para entrar num terreno tão perigoso, os nacionais ainda
não acharam que é hora de pegar carona e a própria mídia eletrônica, nela
incluída a Rede Globo, mantém uma respeitosa distância da explosiva questão.
A grande verdade
é que o jogo do bicho sobrevive ao longo de tantas décadas porque conseguiu
localizar-se numa zona cinzenta, semi-aceito, semicombatido. A mídia o
designa como contravenção, ilícito que não chega a ser crime. E aqui começa
o pantanoso território de eufemismos, ambigüidades e disfarces que deu
ao bicho sua aura de impunidade.
Não é crime
fazer uma fezinha, mas é crime mandar matar um bicheiro que tomou conta
dos pontos. O jogo do bicho é muito mais do que uma aposta inofensiva
que se faz na esquina, é um conglomerado de atividades que se entrelaçam
e se confundem, algumas aparentemente lícitas outras escusas e criminosas.
Tal como aconteceu com a máfia italiana cujo negócio inicial era vender
proteção, o bicho dificilmente escapa das seduções bilionárias do narcotráfico.
O papel da TV
O
relacionamento com as escolas de samba e, sobretudo, com os meios políticos
que delas se acercaram, deram ao bicho álibis invencíveis. A idéia de
que o Carnaval é a mais importante festa popular brasileira e, por isso,
está acima da lei, oferece ao bicho um arsenal de disfarces e uma impressionante
longevidade.
Acontece que
a festa popular já era, agora é propriedade de elites magnânimas que deixam
algumas migalhas ao povão. O conluio entre as cervejeiras, o showbiz e
os patrocinadores dos enredos é um negócio de altíssimo coturno, misto
de marketing político e marketing comercial sob a égide do populismo puro
e simples.
O mérito das
matérias do Globo é que começaram espontaneamente, empurradas pelos fatos.
Não parece uma cruzada denuncista ou moralista inventada pelo pauteiro,
mas um legítimo rescaldo do noticiário. Suíte transformada em debate.
O primeiro em muitos anos. Mesmo iniciado depois da folia pode converter-se
em tema permanente, capaz de gerar antídotos, corrigir as aberrações,
separar o joio do trigo.
Uma coisa,
porém, é certa: a TV não pode alhear-se. Se queremos mostrar como o crime
e a contravenção se infiltraram na sociedade brasileira, se queremos proteger
o samba, o carnaval e as alegrias populares genuínas, será preciso que
a televisão entre nesta passarela para saneá-la. Se ficar de fora, é cúmplice.
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