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Nos
tempos do samba pesado, dos valentes e dos bambas, o "Seo" Maçu
já era um batuqueiro considerado, pois tanto dava o seu recado nos pagodes,
que se armavam nos festejos da Penha, como também nas batucadas da Praça
Onze, onde entrava firme e decidido botando muita gente no chão com suas
hábeis pernadas.
Para ele, o rodízio
da batucada braba daquela época (uma espécie de torneio
entre os famosos batuqueiros), era negocio só para quem podia encarar:
"só ficava em pe quem tinha cartaz, e mesmo assim num cochilo qualquer
perdia o nome".
Marcelino Jose Claudino nasceu no Rio de Janeiro a 7 de julho de 1889
(existem citações de que ele nasceu no ano de 1899), e desde menino gostava
de assistir aos ranchos com seus cortejos majestosos, quando então ficava
sempre de olho na figura elegante dos mestres-sala, que faziam suas evoluções
coreográficas ao lado das porta-estandartes.
Depois que entrou firme nas batucadas e tirou patente de bamba, alem de
marcar presença nas rodas-de-samba, passou a integrar os grupamentos de
samba que surgiram na Mangueira, e era um dos que formavam a "linha
de frente" do Bloco do Arengueiros, que descia o morro com a finalidade
de mostrar as aptidões dos bambas e valentes, que brigavam no braço, na
perna, na base do apu e da navalha, e que não se intimidavam com tiros.
Mais tarde, foi ele quem teve a
idéia da fusão dos grupamentos carnavalescos
existentes no morro, e por ocasião da criação da Estação Primeira de Mangueira,
em abril de 1929, figurou entre os fundadores e foi também o primeiro
mestre-sala da escola.
Apesar de simples carroceiro era elegante e caprichoso, conforme recorda
o cronista Jota Efege: "Elegantemente trajado, numa "pinta de
lorde" a Luis XV, cabeleira branca, bonito leque na mão direita,
o sambista Marcelino, que era destro no "rabo de arraia", na
"banda", aparecia agora esbanjando elegância. Era um gala conduzindo
porta-bandeira, com figurações e filigranas coreográficas". (1)
Alem de mestre-sala categorizado, Seo Maçu, ainda era uma
espécie de protetor
ou guardião da escola, pois, quando partia alguma ameaça de acabar com
o samba - tanto por parte de outros valentes ou da própria policia -,
era ele quem tinha que resolver a questão, entrando com a sua conversa
malandra ou, se preciso fosse, com a sua valentia. Era "pau pra toda
obra", e por isso assumiu a presidência da verde-e-rosa muitas vezes.
"Sempre que o negocio virava abacaxi e queriam acabar com a minha
escola, eu assumia o cargo", segundo declarou mais tarde. (2)
Seo Maçu viveu sempre no morro, onde o autor o conheceu, junto da sua
escola, e ainda nos últimos anos de sua vida, quando já havia sido erguido
um "Palácio do Samba" em Mangueira (denominação da nova sede
inaugurada em 1972), podia ser visto na quadra como um "ilustre desconhecido",
pois sendo um bamba do passado, ficava perdido no meio de doutores, intelectuais
e artistas freqüentadores da escola. É que no mundo do samba moderno,
cheio de inovações, não havia mais lugar para o velho batuqueiro, pobre
e inculto, mas que defendeu enquanto pode (mesmo na base da valentia (3)),
a sua querida Estação Primeira de Mangueira.
E lá no morro, ele ficou ate o fim de sua vida. Seu passamento ocorreu
na madrugada do dia 08 de maio de 1973, e o seu corpo foi sepultado no Cemitério
de São Francisco Xavier, coberto com a bandeira da escola que
fundou e que procurou defender ate o fim de uma longa existência (4).
(1) "Maçu" incluiu o mestre-sala no samba", Jota Efege,
O Globo, s.d.
(2) Vide Mangueira, revista - edição especial de gala (fev. 1970).
(3) "Há diversos exemplos de comportamento "valente" nesse
sentido na historia da Estação Primeira. Quando se fundou a escola, "foi
preciso botar alguns valentes no meio para impor respeito", e na
"memória social", as palavras que se atribuem aos Valentes são:
"Quer brincar? É direito!". Nascimento era um Valente que "não
deixava ladrão parar no morro", embora desfizesse as rodas de samba;
Marcelino "garantia as rodas de samba."
"... Há diferentes maneiras de valente, as quais evidenciam aproximações
graduadas a ordem institucional. Marcelino era um "valente"
do tempo em que malandro não descia, mas a Policia também não subia..."
(Maria Julia Godwassen, O Palácio do Samba, "Estudo Antropológico
da Estação Primeira de Mangueira", página 124)
(4) "Sambista de morro, cocheiro de profissão, o Maçu, introdutor
do mestre-sala nas escolas de samba, que ele viu nascer na evolução dos
blocos, das embaixadas e das turmas, morreu dia 8 ultimo. Foi mais uma clássica
tuberculose, doença de gente pobre, mal alimentada. "Abotoou",
magro, cadavérico, facilitando a tarefa de seu carregamento pela gente
com quem conviveu na Mangueira e da Estação Primeira em que figurou, durante
muitos anos, e a qual viu triunfar, sob palmas entusiásticas.
Embora ele talvez já houvesse dispensado choro e vela, no seu funeral
de "envelope" (caixão) de preço barato, ele teve lagrimas dos
companheiros e as velas bruxoleando ao lado do seu cadáver. E a homenagem,
essa sim, que ele queria por ser a principal, e a ultima, a de ter o "pano"
verde-e-rosa, cobrindo seu caixão, ele a teve. Tal como é de praxe nos
funerais de quem deixou um nome, de quem realizou algo importante. E o
velho Maçu, nos seus 70 anos de vida, alem de mestre-sala pioneiro, foi,
também, um mangueirense e sambista de valor". (Jota Efege, artigo
já citado em O Globo).
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