100 anos de Antônio Caetano

 

          Nos últimos meses, a imprensa especializada em samba tem divulgado amplamente que 2001 marca centenário de nascimento de Paulo da Portela, nosso professor e sambista maior. Evidentemente, mestre Paulo merecerá todas as nossas homenagens, mas, por enquanto, não podemos deixar passar em branco um outro centenário. Não podemos deixar passar despercebido o centenário de um dos principais portelenses de todos os tempos . Precisamos resgatar a memória de Antônio Caetano, nosso fundador que completaria cem anos em Setembro de 2000. Resgatar a memória de Antônio Caetano é resgatar culturalmente a história da Portela, e isso é um dos principais objetivos da equipe Portel@Web.
          Nascido em 10 de setembro de 1900, filho de João Manoel Caetano e Raquel da Silva Caetano, o jovem Antônio da Silva Caetano conheceu boa parte do mundo através da marinha brasileira, e logo seus dotes artísticos se revelariam e Caetano assumiria o posto de desenhista da Imprensa Naval. Morador de Quintino, quis o destino que Caetano conhecesse Diva, jovem moradora de Oswaldo Cruz, e passasse a viver intensamente a vida do bairro.
          Era o início da década de 20. Milhares de pessoas deixavam o centro da cidade e, através do trem, intensificavam a ocupação dos subúrbios. Um grande contingente de pessoas provenientes das zonas rurais do antigo Estado do Rio ou do interior de Minas Gerais e São Paulo chegavam para a região de Oswaldo Cruz e Madureira, trazendo consigo suas manifestações culturais que formariam o aspecto peculiar da localidade, um produto híbrido do urbano e do rural.
          Caetano, ou simplesmente "Pelado" para os amigos mais íntimos, presencia todas as transformações que o bairro estava passando. Há muito já participava da folia carnavalesca, integrava, em Quintino, os Ranchos Felismina Minha Nega e Felisberto Minha Branca. Participou do Bloco Baianinhas de Oswaldo Cruz e, por iniciativa sua, funda, ao lado de Paulo Benjamim de Oliveira e Antônio Rufino dos Reis, o Conjunto Carnavalesco de Oswaldo Cruz, primeiro nome da nossa querida Portela.
          Antônio Caetano foi o primeiro secretário de nossa escola. Formou juntamente com Paulo e Rufino o triunvirato que dirigiu o Conjunto Carnavalesco de Oswaldo Cruz em seus primeiros anos, aliás, muito do que a Portela é hoje devemos ao perfeito entrosamento desses três jovens que se completavam mutuamente nas diversas funções. Foi concepção do artista Antônio Caetano a atual bandeira da Portela, as cores azul-e-branco, inspirada, segundo ele próprio, no manto da padroeiro Nossa Senhora da Conceição, além de nossa idolatrada Águia como símbolo máximo.
          Tudo isso já parece o suficiente, mas a importância de Caetano para a Portela não para por aí. Foi idealização dele os primeiros enredos que a Portela apresentou em desfiles, sempre procurando maneiras inovadoras de apresentá-los. Surgia, dessa forma ,a primeira alegoria de uma escola de samba, um rústico globo terrestre no enredo "O samba dominando o mundo", que consolidou o primeiro título da história da Portela, em 1935. Pelas mãos de Caetano muitos materiais passaram a fazer parte do quotidiano de um barracão de escola de samba. Tudo isso faz Antônio Caetano ser reverenciado como o primeiro carnavalesco da história do carnaval brasileiro.
          Além de idealizar os enredos e trabalhar no barracão, Caetano também compôs alguns dos primeiros sambas que a Portela levou para desfile no início da década de 30, como o "Alegria tu Terás", uma das composições que a escola cantou durante o desfile campeão de 1935. Sob a Mangueira que servia de ponto de encontro dos portelenses em seus primeiros anos, Caetano compões "O quanto a paixão é capaz", considerado por Candeia o terceiro samba realizado pelo pessoal da Portela. Foi também de sua autoria "O sabiá", um samba com segunda parte, fato ousado para a época, que foi um dos que foram cantados pela turma de Oswaldo Cruz no primeiro concurso de sambas da história, realizado na casa de Zé Espinguela, em 1929.
          "Cabo eleitoral" de Paulo da Portela na disputa pelo título de cidadão-samba, Caetano se afasta da Portela em 1937, mas todos os anos acompanhava o trabalho de seus seguidores. Em 1941 viu, muito emocionado, diversas criações suas serem revividas quando a Portela contou sua própria história nos dez anos de desfiles, no ano em que a escola conseguiria o terceiro título de sua história e abriria os "sete anos de glória", que foi a seqüência de sete títulos consecutivos que nossa escola obteve entre 1941 e 1947.
          Artista, dirigente, fundador, carnavalesco, compositor, criador de nosso símbolo maior, por incrível que pareça isso é pouco para definir a importância de Antônio Caetano para a Portela e para o carnaval brasileiro. Suas contribuições foram muito além de nossa escola. Caetano é um dos principais responsáveis pela evolução que as escolas de samba passaram em seus primeiros anos, e a ele devemos muito do que hoje consideramos típicos de uma escola de samba.
          Quando lembramos dos pioneiros do nosso carnaval, lembramos de Cartola, Ismael Silva, Paulo da Portela, Heitor dos Prazeres, Carlos Cachaça e muitos outros artistas famosos. Perto deles, Antônio Caetano figura quase anônimo, mas tem a mesma importância, se não tiver mais, que  todos esses mestres reverenciados como precursores de nosso carnaval.

Bibliografia:

  • CABRAL, Sérgio. As escolas de samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Editora Lumiar, 1996.
  • CANDEIA FILHO, Antônio & ARAÚJO, Isnard. Escola de samba - árvore que esqueceu a raiz. Rio de Janeiro, Ed. Lidador, 1978.
  • JÓRIO, Amaury & ARAÚJO, Hiran. Escolas de samba em desfile - vida, paixão e sorte. Rio de Janeiro, Poligráfica ed., 1969.
  • SILVA, Marília T. Barboza & SANTOS, Lygia. Paulo da Portela - traço de união entre duas culturas. Rio de Janeiro, Funarte, 1979.

Fábio Pavão
(Fábio Pavão é antropólogo)

 

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