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Confissões
de um apaixonado coração mangueirense
Sou
mangueirense. Torno pública pela primeira vez minha condição de torcedor
da gloriosa Estação Primeira de Mangueira, já com um pedido que espero
seja atendido somente daqui a muitos e muitos anos: quando morrer, quero
que o meu caixão seja coberto pelas bandeiras do C.R. Vasco da Gama e
da Mangueira.
Minha paixão não surgiu como a do Paulinho da Viola pela Portela, pois
a Mangueira não foi um no que passou em minha vida. Na verdade, ela levou
muito tempo para conquistar meu coração. E veio, aos poucos, oferecendo-me
tudo o que gosto. Caetano Veloso, homenageado (com Maria Bethânia, Gilberto
Gil e Gal Costa) pela escola no Carnaval de 1994, afirma em sua nova canção
que a Mangueira é “onde o Rio é mais baiano”. De fato, ela tem algo de
Bahia, assim como o próprio Rio e a Bahia têm muita coisa em comum. Mas
uma das armas que a Estação Primeira usou para me conquistar foi exatamente
a sua carioquice. Diria que a Mangueira é uma das regiões em que o Rio
de Janeiro mais aceitou. Por isso, posso parafrasear Paulinho da Viola
e dizer que a Mangueira, sem dúvida, é um rio que está passando em minha
vida.
Eu em portelense, anos atrás. Lembro-me das comemorações mangueirenses
pela conquista do Camaval de 1961, em que eu e Expedito, diretor da Portela,
estivemos na sede da Mangueira para cumprimentar os seus sambistas pela
vitória e fomos recebidos com um carinho de irmãos. Aliás, na nossa chegada,
o pessoal puxou um samba de Jorge Zagaia que dizia na segunda parte: Mangueira,
sempre foste a primeira l Portela, nossa fiel companheira. Achei bonita
aquela confraternização com a grande rival. Depois, os anos foram passando
e passei a freqüentar a feijoada do velho Cazuza e a conviver com pessoas
como Carlos Cachaça. Cartola, dona Neuma, dona Zica. Tinguinha, Padeirinho,
tio Jair, tanta gente maravilhosa que, com o tempo, vejo como integrante
da minha família. Enfim, verificava que todas as escolas mudavam de cara,
menos a Estação Primeira.
Um dia, compus com Rildo Hora um samba chamado Os Meninos da Mangueira,
que foi muito cantado na década de 70, com destaque especial para
a gravação de Ataulfo Júnior.
As pessoas passaram a me perguntar se eu era mangueirense. Dizia que não
– e estava falando a verdade. Naquela época, mantinha uma sincera postura
de isenção até por razões profissionais, já que todos os anos estava na
televisão comentando os desfiles de escolas de samba. Exaltava a Mangueira
porque se tratava de uma extraordinária instituição da cidade e da nossa
música popular.
Além disso, tenho muito amor pela Em Cima da Hora, uma escola do meu bairro.
Cavalcante, que enfrenta muitas dificuldades para desfilar. Mantive-me,
portanto, imparcial enquanto pude. Agora, comentarista aposentado, vendo
a Mangueira fazer milagres na formação de seus jovens, através do trabalho
de Chiquinho, de tia Alice, da cantora Alcione e de outros extraordinários
mangueirenses, e participando de uma festa inesquecível como aquela que
contou com um show dos Doces Bárbaros, concluo que não há nenhum conflito
entre minha paixão pela Mangueira e o meu amor pela Em Cima da Hora.
Mangueira, minha querida Mangueira, eu te amo e quero ver-te (e rosa)
cada vez mais gloriosa, mais fecunda, mais bonita e mais acolhedora. Que
os deuses do samba zelem por ti e façam de teus filhos os defensores intransigentes
de uma tradição que é, cada vez mais, um orgulho para todos os cariocas.
Presidente Roberto Firmino, submeto-me às tuas ordens.
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