Estudo
relaciona o surgimento das escolas de samba à urbanização da cidade
Não
é só em fevereiro que a Sapucaí atrai atenções: o geógrafo Marcelo Pereira
Matos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), respira carnaval
o ano inteiro. Há cinco anos, ele estuda as relações entre o desenvolvimento
urbano do Rio de Janeiro e a proliferação das escolas de samba. Para
isso, determinou três períodos distintos da história dos desfiles: 1932-1942,
1943-1983 e 1984-2001.
Quando
as escolas começaram a surgir, eram atrações secundárias em relação
às grandes manifestações do carnaval
da época. Cerca de 100 integrantes desfilavam na Praça Onze, numa
passarela formada entre arquibancadas desmontáveis. O primeiro desfile
formal, em 1932, foi realizado com o patrocínio do Jornal Mundo Sportivo.
A prefeitura oficializou o evento em 1935.
Durante
o período inicial das apresentações, grande parte da população de baixa
renda morava na área central do Rio e as escolas, como a Deixa-Falar
(a primeira da cidade), se concentravam sobretudo no núcleo metropolitano.
O contexto político do Estado Novo influenciou decisivamente as agremiações,
que eram obrigadas a apresentar em seus enredos temas nacionalistas
e sofriam forte repressão policial.
A
partir de 1943, o desenvolvimento levou à reestruturação do centro e
provocou alterações fundamentais na estrutura urbana. As obras forçaram
sucessivas mudanças na localização da folia, que passou pelas avenidas
Rio Branco e Presidente Antônio Carlos antes de se instalar definitivamente
na avenida Marquês de Sapucaí, em 1978.
O
segundo período da história das escolas de samba -- considerado seu
auge -- foi marcado pelo surgimento de novas agremiações. Apesar da
estagnação da área central do Rio como local de moradia, a cidade cresceu
muito na periferia e as escolas acompanharam a expansão rumo às zonas
Norte e Oeste, direcionada pelo traçado das linhas de trem.
Segundo Matos,
o sentimento de comunidade, mais forte na periferia, é fundamental tanto
para a criação de uma escola de samba quanto para sua sobrevivência.
"Analisando o próprio nome das escolas, podemos observar a referência
espacial e a ideologia da união de uma comunidade", explica. O
pesquisador reuniu mais de 70 nomes que comprovam essa afirmativa, entre
eles agremiações famosas como Unidos da Tijuca ou Acadêmicos do Salgueiro.
Com
a inauguração do Sambódromo, em 1984, o desfile passou a obedecer a
regras externas (como as exigências feitas pelas emissoras de TV), tornou-se
palco da promoção de artistas famosos e minimizou a importância das
próprias comunidades.
Apesar
disso, comunidades de áreas recentemente ocupadas e novas favelas se
organizaram em novas agremiações, como a Renascer de Jacarepaguá. Cresceu
também a quantidade de escolas na periferia e em outros municípios da
região metropolitana. A distribuição das escolas estendeu-se, enfim,
por todos os espaços do Rio de Janeiro. "Afinal, a estrutura urbana
constitui, ao mesmo tempo, o território das políticas urbanas e o território
das práticas sociais e manifestações culturais", conclui Matos.