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Por
que a Mangueira é a Mangueira? Ou melhor: por que tudo o mais – as glórias
da Portela, a mística do Império, a sedução do Salgueiro, o luxo da Beija-Flor
-- parece pequeno diante do carisma da Estação Primeira? Por que serà
que esta é a mais amada entre as escolas de samba, a mais enaltecida pelos
poetas, a mais "inspiradora de amores", no dizer de um de seus
filhos, Nélson Sargento, a propósito da primavera? Por que, enfim, como
Paris entre as cidades, a Mangueira é também a mais cantada em letra e
música de canção?
Alguém
pode se contentar com a resposta simplista, e nem por isso longe da verdade,
contida no verso de Hermínio Bello de Carvalho: "A Mangueira é tão
grande que nem cabe explicação". Mas pode ser que tal grandeza se
explique pelo fato de ser ela, de fato, a estação primeira.
Se não,
vejamos. As escolas de samba nasceram nos morros do Centro. Mais precisamente,
no de São Carlos, ao pé do qual estendia-se, repleto de bambas da melhor
linhagem, o bairro do Estàcio. Foi ali que o melhor samba carioca, dolente,
pausado, de notas longas impregnadas de tristeza (mesmo nos momentos mais
alegres), nasceu em oposição ao dançante samba amaxixado da Cidade Nova.
Foi ali que as criações de Mano Rubens, Ismael Silva, Nílton Bastos, Bide
& Marçal, impuseram-se como a verdadeira linguagem musical dos morros
e comunidades negras menos favorecidas (a população da Cidade Nova, incluindo
as célebres tias baianas, também era negra, mas de condição socioeconômica
melhor). Foram enfim os sambistas de São Carlos e do Estàcio, mesmo os
que estavam só de passagem, que fundaram a pioneira Deixa Falar e se tornaram
os modelos do "novo" samba.
Os sambistas
do Estàcio circulavam muito. Tomavam o caminho do subúrbio, subiam os
morros de là, participavam de suas festas e levavam a sua estética para
cordões como o Guerreiros da Montanha e o Trunfos da Mangueira, ambos
do Buraco Quente, ou a blocos como o dos Arengueiros. Geograficamente,
a Mangueira vinha mesmo em primeiro. Era a primeira estação depois da
gare de Pedro II. E é muito provàvel que a ela tenham chegado antes os
ensinamentos daqueles bambas, como Heitor dos Prazeres, não por acaso
apelidado de "Lino do Estàcio", futuro mangueirense de fé.
Os primeiros
luminares da Mangueira, Cartola á frente, tinham, em seus melhores sambas,
sotaque do Estàcio. Carlos Cachaça, Maçu, Aluísio Violão, Babaú, Saturnino
(pai de Dona Neuma), Mestre Valdemiro, Preto Rico, Zé Com Fome, Ruço,
Zé Criança, Nélson Cavaquinho e, mais para cà, Padeirinho e Sargento,
por mais que elementos afro de seus avós estejam presentes em suas composições,
formaram-se pela escola do Estàcio e não da Cidade Nova. Alguns dos maiores
nomes da Mangueira eram ciganos, estavam de passagem, caso do imerecidamente
esquecido Lauro dos Santos, o Gradim (uma espécie de descobridor de Jamelão).
Outros, nasceram e morreram no morro.
Assim
se explica, talvez, o fato de a Mangueira ter incorporado antes a mais
bela tradição do samba de morro. E de ter ficado bem á frente das demais
á medida que o Estàcio foi perdendo a sua força. E se explica a qualidade
de seu samba, mesmo que não esqueçamos os Paulo da Portela, os Silas de
Oliveira, os Geraldo Babão e outros gênios de outras ilustres nações.
O que não se explica é porque a cidade se rendeu tão absolutamente ás
colinas do velho Telégrafo. Jà foi dito que só cantam bonito o morro là
de cima aqueles que não vivem nele, mas na cidade, no asfalto, tendo de
elevações carismàticas como as da Mangueira uma idéia poeticamente fantasiosa
e, como tal, falsa. O que explicaria o fato de gente da cidade -- de Herivelto
Martins a Hermínio, de Pedro Caetano a Chico Buarque -- cantar tão lindamente
o morro onde não viveram.
Talvez.
Mas vejamos o exemplo de Paulinho da Viola, portelense de corpo e alma,
padrinho da Velha Guarda da escola azul e branco, que para essa escola
compôs a formidàvel ode em forma de samba-enredo que é "Foi um rio
que passou em minha vida". Pois Paulinho só se lançou a tal ode quando
soube que a numerosa e apaixonada família portelense estava zangada com
ele pelo simples motivo de ter cantado a Mangueira antes da Portela.
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