O carnaval carioca: da origem carnavalesca européia às manifestações contrárias a censura no regime militar

 

Me dá, me dá, me dá o que é meu
Foram vinte anos que alguém comeu

                              Império serrano- Eu quero

Resumo:

          Estudo da origem do carnaval até a ditadura militar do Brasil. Manifestações carnavalescas cariocas contrárias ao regime militar dos anos de 1960 a 1980. Sambas enredo, blocos , cordões, etapas evolutivas e caráter político do carnaval de rua. Análise do carnaval sob a lente da censura e seus principais ícones.

Abstract:

Study since the origin of the carnival until the military dictatorship in Brazil. Manifestations Rio´s carnival contrary to years of military rules from 1960 to 1980. Sambas plot, blocks, cords, evolutionary steps and political character of the street carnival. Analysis of the carnival through the lens of censorship and the main icons.

Resumen:

Estudio del origen del carnaval a la dictadura militar en Brasil. Manifestaciones en contra del carnaval de Río de años de régimen militar desde 1960 hasta 1980. Sambas parcela, bloques, cordones, pasos evolutivos y el carácter político del carnaval de la calle. Análisis de la feria a través de la lente de la censura y los principales iconos.

Texto:

          De origem pagã, o carnaval teve origem nas danças em homenagem ao deus Pã (Lupercais) e Baco (Bacanais). Sempre discriminado pela Igreja, acabou por fim, no início da era cristã, sendo assimilado aos seus calendários, chegando a durar quarenta dias (de 7 de janeiro até a terça-feira gorda). Acredita-se que nesse período, a festa passou a integrar o calendário religioso por preceder a quaresma, tornando-se assim, uma festa de hábito pagão que teria seu fim na quarta feira de cinzas, dia de penitência e dor.
          Em princípio, as comemorações começavam em 25 de dezembro, misturando-se com as festividades natalinas e apesar de ir contra a preceitos eclesiais, sua força fez com que a igreja fizesse “vista grossa”.
          A etimologia da palavra também está conectada à igreja: para o etimólogo Stappers a palavra teria vindo da matriz carnelevamen, “o prazer da carne”, referindo-se ao período carnavalesco anterior à quarta-feira de cinzas, ou para Petrocchi o adeus à carne, numa alusão com a terça-feira gorda, ultimo dia do calendário cristão em que é permitido comer carne. Já para Körting ou Bér Essers, a palavra carnaval teria vindo da combinação carrus navalis, sugerindo a permanência da festa Dionísica.
          Um caso curioso na história do carnaval é a presença de Papa Paulo II; durante o exercício de sua função, era concedida permissão de realização de comemorações na Via Lata, uma das principais avenidas de Roma. O objetivo era ele mesmo assistir as corridas de cavalos, velas, corcundas e os principais atrativos romanos na época.
          Na Idade moderna, os festejos foram reduzidos a dez dias antes da quarta-feira de cinzas. O papa Paulo IV (Contra-reforma) também comemorava na data, sentando-se à mesa do Sacro colégio para um jantar de consagramento.
          A ascensão do carnaval carioca coincide com o declínio do carnaval europeu no início do século XX e com a unificação dos dois estilos europeus, o de Byron e Goethe. Prova desta fusão, é a citação de Morales de Los Rios que afirma: “O carnaval fluminense parece ser hoje o que resume todos os outros, e talvez Byron e Goethe, se pudessem conhecer, ficariam de acordo com suas preferências.”
          A primeira manifestação carnavalesca carioca de rua, declarando sua origem no carnaval português, foi o entrudo.
          Tratava-se de um carnaval de rua desorganizado e livre que mais tarde sofreria censura, pelo “comprometimento com a ordem pública”. Logo após um episódio ocorrido durante o jogo do entrudo, o jogo foi proibido.  Após terem arremessado um balde de água fria, que caiu sobre um rapaz que passava na rua, o rapaz contraiu pneumonia e veio a falecer.
          Nesta época, a riqueza dos trajes da festa era pequena, mas as máscaras de veracidade cômica davam o toque especial às fantasias de Clóvis, mascarados e sujos.
          Logo após, vieram os salões de baile, que tinham padrões europeizados, tornando-se assim, o espaço preferido das elites. Ilustrava o “grande carnaval”, ou seja, as sociedades organizadas de 1856.  Este período foi marcado pela segregação racial, no que se dizia respeito às grandes diferenças populacionais evidentes quando o corso (destino de famílias aos salões em grandes carros) entrava em choque com as classes menos abastadas da população e o carnaval de rua.
          O caráter de resistência se dava por meio a cordões e blocos de rua, que tinham organização popular, desde a repressão ao entrudo, instrumentos de percussão, tais como o bumbo e o tamborim, e música popular.
          Os cordões e blocos são sucedidos por ranchos, que se estabelecem no fim do século XIX enfatizando manifestações da cultura negra de raiz e o sentimento nacionalista africano. Primeira aparição em 1873 com festejos natalinos. Em 1923 passa a ter enredos nacionalistas brasileiros.
          A última etapa evolutiva do carnaval carioca é a criação das escolas de samba, que surge pela fusão de ranchos e blocos de rua. Grandes influências das escolas de samba são encontradas nas outras etapas do carnaval. Os cortejos das grandes sociedades; dos ranchos, ficaram o mestre-sala e a porta bandeira; dos cordões, o apito e o estandarte e dos blocos, o caráter popular e o espírito familiar que permeou o carnaval.
          Com a valorização do conceito de negritude e das produções culturais negras, a festa carnavalesca e o samba, um ritmo surgido na década de 1920 e de base negra, seriam a base para a formulação de um sentido de brasilidade. Esse sentido seria encontrado nas duas vertentes da pesquisa; o carnaval carioca e o regime militar.

O carnaval e o regime militar:

          Com a instauração do regime militar, o Brasil refletia, no plano cultural, uma acelerada modernização. Nas escolas de samba, enredos de exaltação ao negro e reconstituição de cenas do cotidiano escravocrata. Porém, tudo havia preço; em contrapartida, o Estado começava a intervir cada vez mais nos desfiles das escolas, transformando este num grande evento turístico e comercial.
          Em 1962, órgãos de turismo fecharam parte da Avenida Rio Branco e instalaram arquibancadas em frente à Biblioteca Nacional, cobrando ingressos.
          Alguns anos depois, houve a censura ao samba “Heróis da Liberdade” do Império serrano. O samba de 1969 é considerado, no âmbito carnavalesco, uma das maiores manifestações contrárias à censura. De acordo com teorias, uma das palavras teria sido trocada de “revolução” para “evolução”. É considerado um samba inigualável, e um pedido de liberdade no primeiro carnaval após entrar em vigência o AI-5. O samba exaltava as passeatas de 1968, as organizações contrárias à censura e falava de revolução numa mescla do clima das passeatas com o Hino da Independência, além de resgatar a memória popular e incentivar o real sentimento de nacionalidade.
          De acordo com Roberto M. Moura, oficialmente, as autoridades tentaram impedir que o samba desfilasse sob alegação de que os sambistas tinham maculado um símbolo nacional, o hino, que dizia: “já raiou a liberdade/a liberdade já raiou”. Os autores faziam referência aos movimentos estudantis e intelectuais contra o golpe de 64: “ao longe, soldados e tambores, alunos e professores, acompanhados de clarins, cantavam assim: já raiou...”
          Em 1970, esses órgãos limitavam o tempo de desfile de cada escola, no mesmo ano em que a televisão passava a transmitir os desfiles integralmente. Transformando o carnaval e as escolas em quase verdadeiras empresas setorizadas. Em 1971 e 72, encontravam-se proibidos os instrumentos de sopro e letras de sambas. Em 1975, o auge e a assinatura de um contrato de prestação de serviços com vigência de 4 anos, obrigava as 44 escolas cariocas a participarem de todas as atividades da Riotur, mediante remuneração. Ainda neste ano, Paulinho da Viola e Martinho da Vila, liderados por Candeia, fundam uma escola alternativa que contrariava o governo, pois não tinha finalidade competitiva e buscava resgatar a cultura negra de raiz. Com os enredos heróicos, sem carros alegóricos e o brilho enganoso das fantasias.
          Em outro nível de censura, nos blocos de rua, encontrava-se um dia muito especial no Engenho de Dentro. Trata-se do bloco Chave-de-Ouro, que levava o nome de um bairro extra-oficial do Rio de Janeiro, localizado entre Méier e Engenho de Dentro. O bloco desfilava ao meio dia da quarta-feira de cinzas, reprimido por comerciantes e policiais. O local da concentração era secreto e a informação corria de boca em boca. Havia também uma falsa concentração, para despistar a polícia. Durante o bloco, os integrantes levavam um caixão verde, simbolizando a morte de um dos governantes que estava vivo e com o poder ainda em vigência. A ordem dos policiais seria prender qualquer participante que estivesse de camisa colorida, bermuda e sandália.  A confusão era parte da folia, bolinhas de gude contra os cavalos e muita correria marcavam o carnaval deste bloco.
          A banda de Ipanema, criada em 1966, mais do que se conhece, tinha também caráter político. Com o tempo, transcenderia o bairro, seria o modelo de outras bandas pelo centro em que se foi criada a banda de Ipanema: um centro irradiador de moda.O grande objetivo era expandir as manifestações contra o homossexualismo. Também censurado na época com causas científicas.

Edgar Façanha e a censura:

          Edgar Façanha assume a direção da censura e entretenimento em 1966, e instaura exames prévios em espetáculos teatrais, cinema, música.
          Em 1969, no regulamento do desfile, as escolas que ousassem trazer travestis para a passarela, estavam ameaçadas de desclassificação. Na bateria, o máximo permitido era um par de pratos.
          Sambas e carros alegóricos foram censurados, como foi o caso do salgueiro em 1970, três dias antes do desfile.
          De acordo com Fernando Pamplona em livro de Roberto M. Moura, o enredo era a Praça XI e todos os carros eram feitos de material natural da demolição. Para criar o clima de bar, foi instalado um mictório em meio a um amontoado de garrafas e barris. Havia um manequim de terno branco com uma das mãos na parede e a outra na invisível parte genital. O censor entrou e proibia o carro dizendo “Mijando não pode! Tira.” O carro foi modificado pelo carpinteiro, a mando de Pamplona para que a outra mão fosse pregada no alto. O censor satisfeito disse “Agora, sim. Vomitando, pode!”
          É responsável pelo banimento de travestis dos salões de baile. De acordo com Façanha, os travestis poderiam ser travestis desde que se comportassem convenientemente.
          Indicação de pessoas públicas como determinadores da imoralidade, tais como Leila Diniz e outros ícones da música popular e do teatro brasileiro.

Conclusão

          Desde a origem do carnaval carioca até os tempos de ditadura militar, a repressão aos mais variados estilos de celebração é relatada. Mudando apenas as formas de censura e gravidades dessas formas, o fato é que sempre existiu.
          Estudar as origens e as manifestações contrárias a censura do carnaval carioca, é entender ainda mais sobre o passado cultural do brasileiro, respeitando suas diferenças estilísticas, e entendendo o real sentimento nacionalista e suas utilizações em várias vertentes distintas e muitas vezes contrárias entre si.

Aqueles que esquecem o passado estão condenados a repeti-lo
                                                                                George Santanna

Referências Bibliográficas:

  • Tupy, Dulce. Carnavais de Guerra – O nacionalismo do samba. RJ, ASB.

  • Moura, Roberto M. Carnaval- Da redentora à praça do apocalipse, RJ. Jorge Zahar Editor.

  • Pimentel, João. Blocos- Uma história informal do carnaval de rua. Arenas do Rio. RJ, Relume Dumará.

Por Giuliana Caetano Pimentel
Graduanda 4º. período, Escola de Belas Artes – UFRJ
(Publicado Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 4, Nº32, Rio, 2009 [ISSN 1981-3384])

 

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