Tem gringo no samba: Batuque globalizado

 

          Quem acessar o site Amazon.com e procurar CDs de samba terá uma surpresa. Muitos discos de artistas brasileiros consagrados estão apenas em catálogos de gravadoras japonesas. Isso significa que, por exemplo, um fã de Nelson Cavaquinho será obrigado a importar do Japão, através da loja virtual norte-americana, o CD de um compositor símbolo da Mangueira. No Brasil, com raras exceções, os sambistas ganham apenas coletâneas que não revelam a riqueza de suas obras.
          No carnaval de 2006, uma escola de samba carioca trouxe da França um grupo de cerca de 20 ritmistas – todos alunos de um brasileiro que dá cursos de percussão em Paris. A “invasão francesa” foi notícia em um telejornal. Na reportagem, o professor brasileiro enalteceu a dedicação dos estrangeiros e apresentou a justificativa da escola para colocá-los na bateria: liam partituras. Era estranhíssimo assistir aos gringos compenetrados, sem qualquer manifestação de alegria, tocando tamborins, surdos, cuícas e agogôs. Qualquer semelhança com os músicos de uma orquestra era "mera coincidência". Já a escola de samba Império da Casa Verde, campeã do carnaval paulista de 2006, tem como mestre-sala um japonês.
          Os dois exemplos citados acima mostram que o samba há muito deixou de ser um produto da indústria cultural consumido exclusivamente por brasileiros. No Japão, as gravadoras investem maciçamente no lançamento de antigos discos de grandes sambistas. O fascínio que a música brasileira exerce sobre os japoneses criou um mercado para CDs, DVDs, songbooks e instrumentos musicais, entre outros. No período que antecede o carnaval, muitas agências de turismo de Tóquio, Nagoya, Kioto e Kobe oferecem pacotes que incluem a fantasia e a participação no desfile de escolas de samba. Já aqueles que não conseguem vir ao Brasil podem sair em uma das várias agremiações filiadas à Associação das Escolas de Samba do Japão.
          De acordo com a pesquisadora Helena Theodoro, a Europa tem cerca de 200 escolas de samba constituídas. Elas se espalham por países como França, Suécia, Suíça, Bélgica, Holanda e Alemanha. A maioria surgiu em comunidades de brasileiros, mas algumas apresentam apenas nativos. Para esses “gringos do samba”, o carnaval do Rio de Janeiro é literalmente o maior espetáculo da terra e os ritmistas das baterias, craques de uma seleção imbatível. Entretanto, Helena faz um alerta:
          – É muito bom saber que há escolas de samba em países da Europa, no Japão ou em qualquer outra parte do mundo. Isso representa o reconhecimento de um elemento muito importante da cultura brasileira. Mas, ao mesmo tempo, surge uma preocupação: lá fora, eles sabem mesmo o que é samba? Temo que, em alguns casos, possa estar ocorrendo a descaracterização musical. Não dá para sair classificando como samba qualquer batucada.
          Temores à parte, o fato é que o samba ganhou o mundo há muito tempo. Desde que Carmen Miranda, com o apoio do governo Vargas, levou o gênero musical para os Estados Unidos, os gringos foram fisgados pelo ritmo brasileiro. Depois, veio a bossa nova, que inseriu definitivamente o Brasil no cenário mundial da música. O sucesso do samba na Europa e no Japão apenas confirma sua capacidade de conquistar fãs, independente do idioma.

Marlucio Luna
Marlucio Luna é editor de conteúdo do Programa Século XX1
(Publicado originalmente no site da MULTIRIO em 17 de Janeiro de 2007)

 

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