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Há
exatamente 65 anos, Dorival Caymmi compôs o histórico Samba de Minha
Terra, cuja letra é categórica: Quem não gosta de samba/ bom sujeito
não é/ é ruim da cabeça/ ou doente do pé. Com isto dividiu a humanidade,
ou, pelo menos, os brasileiros, em dois grupos: os que gostam e os que
não gostam de samba. Que correspondem a dois outros grupos, os que gostam
e os que não gostam de Carnaval - protagonistas de uma oposição tão ferrenha
que provavelmente os transformará em protagonistas da Batalha Final.
Carnaval
é coisa antiga. Festa romana (as Saturnais que, paradoxalmente ou propositadamente,
homenageavam o melancólico deus Saturno), sobreviveu ao tempo, e chegou
ao Brasil no século 18, trazido pelos portugueses. Era o entrudo, uma
festa meio sem graça em que as pessoas atiravam farinha umas nas outras.
O primeiro baile aconteceu em 1840, no Rio, no Hotel Itália. O nome do
hotel é significativo: o Carnaval de Veneza, um luxuoso desfile de fantasias,
era então o modelo para a festa. Mas no Rio surgiram os blocos de rua,
depois os cordões, e, em 1935, o desfile das escolas de samba. Nascia
assim o maior espetáculo da Terra, que, apesar das ameaças de violência,
continua atraindo milhares de visitantes.
À
medida que o Carnaval foi crescendo em importância foi também ganhando
inimigos. As restrições eram, a princípio, de ordem moral. A Igreja, que
inicialmente mostrara tolerância para com esse tipo de festa, ficou progressivamente
alarmada com a permissividade que inevitavelmente surgia; São Cipriano,
São Clemente de Alexandria e o Papa Inocêncio II fizeram cerrada oposição
ao Carnaval, mas, no século 15, o tolerante Papa Paulo II autorizou os
desfiles de carros alegóricos e as batalhas de confete.
Hoje
ninguém critica o aspecto "moral" da celebração carnavalesca.
Os inimigos do Carnaval são de dois tipos. Em primeiro lugar, estão os
amargos saudosistas, aqueles para quem o Carnaval está morrendo, vítima
dos interesses e da indústria da comunicação de massa; aqueles que olham
a tevê, balançam a cabeça e suspiram, desalentados. Para estes não há
o que dizer, a não ser que mudança é inevitável.
O
segundo tipo de inimigo é aquele que não gosta do barulho, que detesta
a música e a batucada. Este se enquadra na definição de Caymmi. Não são
necessariamente doentes do pé - problemas ortopédicos raramente são alegados
como desculpa para fugir à festa; e também negarão que seu problema com
o Carnaval seja psicológico. É gente que simplesmente prefere o silêncio,
que vai se refugiar na Serra para estar longe da zoeira. Existem protestos
inclusive contra os ensaios das escolas de samba.
Protestos
à parte, o Carnaval chegou ao Brasil para ficar. Roberto Da Matta, autor
de um célebre estudo sobre o tema, explica a razão. O Carnaval, diz ele,
é a festa que possibilita a inversão de hierarquias, uma oportunidade
única neste país tão hierarquizado, tão compartimentalizado. No Carnaval,
o pobre vira príncipe, a empregada doméstica vira rainha; o equivalente
brasileiro aos 15 minutos de glória aos quais, segundo Andy Warhol, todo
o mundo tem direito. O barulho é chato? Sem dúvida. Mas o silêncio, meus
amigos, é lúgubre. Viva o Carnaval, que a ninguém faz mal.
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